Uma “geringonça” ainda mais “geringonça”

António Costa tentará até ao limite defender a estabilidade e o interesse nacional, que ontem associou à garantia de entendimentos. Uma geringonça mais escangalhada e imprevisível não lhe dá jeito nenhum

A festa das reuniões do secretário-geral do PS com os partidos à sua esquerda tem sido bonita, mas arrisca-se a produzir uma monumental inutilidade. Por muito que António Costa se esforce neste jogo, ainda que o faça com uma manifesta humildade democrática que o leva às sedes de partidos nanicos, não tem conseguido o que seguramente pretende: compromissos formais que lhe garantam uma estabilidade previsível. Porque uma coisa é um acordo escrito, ou, na terminologia da anterior legislatura, uma “posição conjunta”; outra coisa muito diferente é deixar no ar a promessa vaga que o apoio ou a recusa do programa do governo ou de um orçamento do Estado será feito caso a caso.

Um acordo escrito implica um vínculo, um contrato, uma direcção; uma declaração genérica, como as que tem recebido, não passa de palavras com propensão para caírem no esquecimento à primeira dificuldade. Na prática, o que o PCP ou os Verdes dizem pode facilmente ser dito pelo CDS ou pelo PSD: que irão analisar as propostas e depois decidirão.

Depois de um dia intenso de reuniões, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro indigitado, António Costa, começa a perceber com o que não conta, o que não quer dizer que saiba com o que pode contar. Difícil? Não, é apenas a evolução da política de compromissos inaugurada no Governo anterior. O que há aqui de novo não são nem as linhas vermelhas que não se podem ultrapassar nem as exigências que têm de ser aceites. Umas e outras já se conhecem, mas agora ficam no éter. Todos os partidos parecem dispostos a dar a mão ao Governo, mas, para já, de boca – curiosamente, o Bloco é o que parece mais desejoso de ir a jogo. Ou num novo golpe de génio consegue regras escritas, ou “geringonça 2.0” será mais instável que a primeira edição.

Para já, a força de 37% dos votos e, para já, de 106 deputados, permite ao PS desvalorizar o caso de namoro difícil com os seus potenciais parceiros. Pode dizer que é “agnóstico” e que “respeita” quer os acordos escritos, quer a sua inexistência. Não será bem assim. Sem papéis, o partido arrisca-se a perder os tais compromissos escritos que lhe forneciam direcção e previsibilidade. Vai ter muito mais trabalho a negociar à vista. A nova geringonça arrisca-se ser ainda mais geringonça. Por isso António Costa tentará até ao limite defender a estabilidade e o interesse nacional, que ontem associou à garantia de entendimentos. Uma geringonça mais escangalhada e imprevisível não lhe dá jeito nenhum.

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