Cartas ao director
“Geringonça” a dois com o dobro dos anos
Que cada um engula o seu sapo, foi como o socialista Marcos Perestrello selou o entendimento PS/BE que se perspectiva para a próxima legislatura. Uma “geringonça” a dois, mas com o dobro dos anos! Algumas trocas de mimos, durante a campanha, que, quanto a mim, não passaram de folclore, não obstam a provável acordo entre socialistas e bloquistas. Saber divergir no acessório e convergir no essencial. Mesmo com a adesão do PAN e Livre – o PCP já se auto-excluiu – a “geringonça” será sempre a do PS e BE, tendo como pano de fundo a social-democracia, já que até a própria Catarina Martins se reclama deste ideário. Os comunistas votarão caso a caso.
O PSD terá, mesmo, de ficar de fora da solução governativa, a bem da nossa democracia. O Portugal de Abril ficaria desvirtuado na sua essência, com os sociais-democratas no poder coligados com os socialistas. Deixaria de haver oposição e, mais grave, alternativa, a regra de ouro dos regimes democráticos. O próprio Montenegro só terá a lucrar com este cenário, dado que a melhor forma de consolidar a sua futura liderança e fazer subir o partido será o total distanciamento da “geringonça”. O comprometimento, mesmo que pontual, com o PS, não seria vantajoso para o PSD. O score eleitoral, quase 28%, poderá ter sido frouxo, mas ficou além das expectativas. Não será, seguramente, com Maria Luís, como Cavaco deseja – tem tanto de boa técnica como de má política –, que ele será ampliado, atingindo números mais consentâneos com o papel fundamental do PSD na sociedade portuguesa. Mas por ora, basta recordar a Montenegro e companheiros de partido que se pode servir o país no Governo como na oposição. E, às vezes, até melhor neste último caso.
Simões Ilharco, Lisboa
Chega
Confesso a minha estupefacção ao ler no PÚBLICO de ontem que o historiador e dirigente do Livre Rui Tavares culpa Pedro Passos Coelho pela existência do partido Chega e sua entrada no Parlamento, aliás, digo eu, com mais votos (1,3%) do que o Livre (1,1%). Por mim, e perante o fenómeno da extrema-direita, nomeadamente na Europa, a pergunta que de imediato me ocorre é porque é que a esquerda em geral, a saber o BE, o Livre e outros por cá, não é capaz de conter os avanços, claramente indesejáveis, de uma realidade que tem na base problemas sociais graves, para cuja solução só essa esquerda apregoa ter remédio. Como e porquê não soube falar a esses eleitores, esclarecendo-os e propondo algumas respostas para o que os faz votar Chega?
Em vez do saudável exercício racional de se olhar ao espelho (vale para todos nós, evidentemente), é mais fácil apontar o dedo a fantasmas e alinhar em bodes expiatórios de tudo o que de mau ou menos bom aconteceu nos últimos 4 anos. Para um historiador que se intitula herdeiro da tradição iluminista, que até acaba de publicar uma história de Portugal alternativa (tenho-a toda, acrescento), insistir em proibições e censura parece-me inaceitável. A tolerância, em contexto democrático, exerce-se precisamente perante aqueles de quem discordamos.
Teresa Seruya, Lisboa