Parlamento Europeu chumbou comissária designada por Macron

Bancada liberal critica decisão dos eurodeputados, descrita como “humilhação” para o presidente Emmanuel Macron. Mais dificuldades para Ursula von der Leyen compor a sua equipa de comissários.

Foto
Sylvie Goulard OLIVIER HOSLET/EPA

O Parlamento Europeu, PE, manteve-se firme na sua objecção à francesa Sylvie Goulard, e esta quinta-feira rejeitou inapelavelmente a sua nomeação como comissária encarregada pela pasta do Mercado Interno, com 82 votos contra, 29 a favor e uma abstenção. A votação coloca um novo obstáculo à presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que fica agora com três “baixas” por resolver na sua equipa executiva, depois dos eurodeputados também terem eliminado da sua lista de comissários os nomes dos candidatos apresentados pela Hungria Roménia.

Mas a posição de força do Parlamento Europeu não representa mais uma contrariedade apenas para Von der Leyen, confrontada com dificuldades acrescidas na comissão do seu futuro colégio de comissários. O chumbo da candidatura de Goulard pode também ser interpretado como uma reacção dos eurodeputados à “soberba” do Presidente francês, Emmanuel Macron, e dos seus desígnios europeus — dos quais a reconfiguração da pasta do Mercado Interno num superpelouro que abarca a política industrial e digital, a defesa e o espaço, o turismo ou os media, entregue à comissária por si escolhida, é apenas um exemplo.

Aliada política e apoiante de primeira linha do movimento político fundado por Macron, Sylvie Goulard poderá queixar-se de ter sido duplamente sacrificada pelo mesmo caso de pagamentos irregulares a assistentes políticos com verbas do Parlamento Europeu — que levou Emmanuel Macron a aceitar a sua demissão como ministra da Defesa após apenas um mês de governo, mas não o impediu de a enviar como emissária para Bruxelas.

“Sylvie Goulard foi vítima de um jogo político que afecta toda a Comissão Europeia”, diz o presidente Emmanuel Macron, numa declaração emitida pelo Palácio do Eliseu. “Não compreendo o que se passou. Ressentimento. Mesquinhez talvez. Tenho de perceber”, disse mais tarde, em conferência de imprensa em Lyon.

“Se a França não a aceitava para ministra, devia o Parlamento Europeu aceitá-la para comissária?”, questiona a eurodeputada do PSD, e vice-coordenadora do Partido Popular Europeu na Comissão de Indústria do PE, Maria da Graça Carvalho, para quem não faria o mínimo sentido que os critérios de admissibilidade fossem menos exigentes para a Comissão do que são para os governos nacionais.

A socialista Maria Manuel Leitão Marques, que pertence à Comissão do Mercado Interno, confirma que a pergunta ficou sempre no ar: se perante a abertura da investigação aos pagamentos irregulares, Sylvie Goulard achou não ter condições para se manter como ministra, por que entendia ter condições para ser comissária? Na primeira audição, a candidata francesa reclamou a presunção de inocência nas respostas às questões sobre o processo. No segundo confronto com os eurodeputados, esta quinta-feira, prometeu “retirar todas as consequências” após a conclusão do processo.

Depois de analisarem dezenas de páginas de respostas por escrito e de inquirirem a candidata francesa a comissária em duas sessões no Parlamento, os membros das comissões de Indústria e Mercado Interno que conduziram a audição de Sylvie Goulard tiveram de realizar uma votação secreta por não haver, entre os coordenadores dos diferentes grupos políticos, a necessária maioria de dois terços necessária para aprovar a nomeação. 

O resultado sugere que apenas os membros da bancada liberal Renovar a Europa a que Goulard já pertenceu apoiavam a escolha de Macron — que na opinião dos liberais foi “humilhado” por procuração com o chumbo da sua candidata. Numa curta reacção no Twitter, a francesa agradeceu a confiança do Presidente francês, da presidente eleita da Comissão, e dos eurodeputados que votaram a seu favor e acolheu decisão “com respeito pela democracia”.

“Claro que foi uma decisão difícil, uma vez que Sylvie Goulard é uma mulher que comunica bem e claramente defende a Europa e o projecto europeu”, revelou Graça Carvalho ao PÚBLICO. Segundo a social-democrata, houve duas razões para o seu afastamento: uma de natureza ética, por não estar ainda resolvido o processo em que está envolvida, e outra de substância, por não se ter mostrado tão bem preparada para lidar com as diversas áreas do portfólio que lhe foi atribuído. “Mas a questão ética foi a que pesou mais”, disse.

Vários eurodeputados assinalaram ainda como “problemática” a dimensão da pasta que foi aparentemente composta à sua medida — uma questão que não fica resolvida com a indicação de um novo nome pelo Presidente francês.

Para Maria Manuel Leitão Marques, o processo em curso em França “foi o motivo que objectivamente complicou” a confirmação de Sylvie Goulard, que de resto “respondeu com consistência” às perguntas mais técnicas sobre as áreas que ficariam sob a sua jurisdição. “Ela tem reconhecidamente um currículo muito bom, e teria a formação e competências para desempenhar o lugar”, observa, acrescentando que é impossível negar que “houve razões políticas nesta decisão”.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários