Problemas de agenda versão 2019-20

Como um boomerang, o argumento vai e volta à velocidade da conveniência de cada um. Esse chavão indecifrável que é o superior interesse do futebol português bate à porta várias vezes ao ano, para gerar uma discussão que ecoa durante um par de semanas até se dissipar e recuperar energias para tornar à carga. Vem isto a propósito do vociferar do Sp. Braga e do Benfica contra as oscilações do calendário competitivo. Vem isto a propósito das escolhas da Liga e respectivos parceiros para o Natal. Vem isto a propósito da Taça da Liga.

Não é fácil compreender por que razão o campeonato português (excepção feita ao jogo Desp. Aves-Tondela) seguiu o caminho inverso ao das potências europeias no passado fim-de-semana, hibernando praticamente durante um mês, entre a pausa para as selecções e a entrada em cena dos “grandes” na Taça de Portugal. Uma decisão tão mais discutível quanto obrigará a uma aceleração vertiginosa do ritmo competitivo entre o final de Outubro e o início de Novembro.

Para se perceber o que está em causa, atente-se nestes números: numa janela de 23 dias, o Benfica, o FC Porto, o Sporting, o Sp. Braga e o V. Guimarães farão nada menos do que sete jogos cada, o que representa uma partida disputada praticamente a cada três dias. O cenário agrava-se se tivermos em conta que em causa estão duas jornadas europeias (Liga dos Campeões num caso, Liga Europa nos restantes), cujo desfecho terá o peso que é conhecido no ranking de Portugal para efeitos de acesso futuro às competições da UEFA. No mesmo período, de resto, a Rússia (o rival directo dos portugueses na tabela de coeficientes do organismo) verá os seus clubes disputarem um jogo a menos.

À luz destes argumentos, a posição pública do Sp. Braga faz todo o sentido, mais ainda porque foi tomada em devido tempo e reforçada após os avanços e recuos da Liga na avaliação de uma proposta de alteração. A do Benfica, que no essencial vai na mesma direcção, também é legítima, ainda que seja mais difícil de compreender o timing: estando o clube representado na Comissão Permanente de Calendários, é estranho que só agora, através da sua newsletter, se tenha dado conta do embaraço que o actual figurino competitivo provoca.

A malha volta a apertar, na derradeira semana de Janeiro, para os clubes que se qualificarem para a final four da Taça da Liga. E para aqueles que seguirem também em frente na Europa a exigência volta a subir em Fevereiro, numa altura em que já terão decorrido praticamente dois terços da época. Acresce que, como há uma interrupção de 15 dias prevista para o período do Natal, perde-se a margem de manobra para qualquer ajuste ou compensação.

É compreensivelmente difícil convencer um V. Setúbal ou um Moreirense, que têm na Taça da Liga a grande referência na conquista de troféus ao longo dos últimos largos anos, de que a mais jovem das competições nacionais se tem tornado num empecilho para os clubes que representam Portugal na Europa. Nesse sentido, o superior interesse do futebol português nunca representará uma e a mesma coisa para emblemas com possibilidades e ambições tão distintas. Para uns, será pouco mais que um estorvo, para outros uma oportunidade.

Em França, já decidiram suspender a prova, porque não era financeiramente atractiva e porque tinha uma relação pouco empática com os adeptos. Por cá, o diagnóstico não é diferente. E ainda que tenhamos de reconhecer o esforço para dar oxigénio à competição (já sofreu várias mudanças de formato e de designação ao longo de 12 edições), é inegável que, ano após ano, continua a gerar críticas e algum incómodo entre as elites.  

Cirurgicamente desenhada para potenciar uma final entre os “grandes”, a Taça da Liga (e o futebol português) será sempre aquilo que os clubes quiserem que seja. Basta que a maioria faça ouvir a sua voz nas assembleias-gerais do organismo — e que os que votarem vencidos aceitem com fair-play as regras da democracia. 

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