Investigadora portuguesa acordou John Goodenough com a notícia: “Ganhou o Nobel!”

Helena Braga, investigadora portuguesa da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, estava com o cientista John B. Goodenough, em Londres, quando soube dos vencedores do prémio Nobel da Química. Foi acordar o laureado que estava ao pé de si. “Ele não queria acreditar”

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John Goodenough esteve em Portugal em Abril de 2018 Nelson Garrido

John B. Goodenough foi um dos três investigadores premiados com o Nobel da Química de 2019. “Estou muito feliz. E estou muito feliz por ter a Helena Braga aqui ao meu lado para me ajudar a celebrar a maravilhosa notícia que recebi hoje”, disse ao PÚBLICO, com um tom de voz bastante animado. Os festejos em volta não deram espaço para mais perguntas ou comentários. A investigadora portuguesa acabou por confirmar que John B. Goodenough ainda não tinha recebido o telefonema oficial. “Quem o avisou fui eu. Eu é que lhe disse que ele tinha recebido o prémio Nobel. Ele estava a descansar e eu vim ao quarto dele avisar”. 

Helena Braga está com John Goodenough em Londres para a cerimónia de entrega de (mais) uma medalha da Royal Society. A investigadora conta ao PÚBLICO que o cientista "não queria acreditar”. “Estivemos três pessoas à volta dele, a mostrar o nome dele. Depois viu aquela imagem desenhada, mas mesmo assim, como são traços desenhados é difícil ver com nitidez. Depois, sim, finalmente viu a fotografia”. 

“Este é um reconhecimento muito merecido. As baterias de lítio estão em todos os momentos da nossa vida e agora até nos automóveis. As apostas já falavam nele, é merecido e esperado”, diz a investigadora. John Goodenough é considerado o pai das baterias de iões de lítio, a invenção do início dos anos 90 que revolucionou o mundo da tecnologia, e o dia-a-dia de hoje, com gadgets e equipamentos electrónicos a funcionar sem fios, em todo o lado, através de baterias recarregáveis. E, por isso, já recebeu vários prémios e comendas internacionais. 

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Helena Braga, investigadora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Nelson Garrido

Ouvem-se gargalhadas no ruído de fundo do telefonema, enquanto a investigadora nos garante que “ele ficou, muito, muito feliz”. Em termos de trabalho - sim, porque apesar dos seus 97 anos John Goodenough continua a trabalhar. Helena Braga adianta que estão neste momento a tentar fazer formatos maiores das baterias já desenvolvidas com electrólitos de vidro. A voz de Helena Braga também está tremida de emoção. Infelizmente, não voltámos a ter oportunidade de falar com o premiado. Mas, afinal, falámos primeiro com ele do que o Comité do Nobel. Foi bom o suficiente. 

Em Abril de 2018, o PÚBLICO teve mais tempo para falar com o agora laureado com o Prémio Nobel da Química. Goodenough é professor na Universidade de Austin, no Texas, e recusa reformar-se. Continua a ir trabalhar todos os dias e a liderar uma equipa de investigadoras para a qual requisitou Helena Braga, a professora da FEUP, que, naquela palestra, fazia uma espécie de honras das casa, apesar de actualmente estar em sabática para poder continuar a investigação que ali iniciou no Texas. Estavam ambos em Portugal para falar do futuro das baterias e da forma de armazenar energia. Goodenough já viveu muito, e prepara-se para viver o tempo suficiente para deixar a sua marca numa outra revolução que, de novo, irá ter impactos globais: a do armazenamento de energia e da mobilidade eléctrica. 

O criador da bateria de iões de lítio sabe o que é que o mercado necessita para que a mobilidade eléctrica tenha o impulso que já ninguém se atreve a negar que é tão desejável quanto necessário. “Já há cidades no mundo onde não se consegue respirar. O mundo já está preparado para entrar numa era de pós-carbonização”, afirmou. “Já sabemos como transformar o sol e o vento em energia, mas ainda não aprendemos a armazená-la com eficácia. É isso que nós queremos descobrir. Obrigada por me terem emprestado a Helena Braga para descobrirmos esse caminho”, dizia ele sorridente à plateia, que lotou a sala em Abril de 2018.

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John B. Goodenough hoje, em Londres, depois de saber que ganhou o Prémio Nobel da Química REUTERS/Peter Nicholls

Foi Helena Braga, quando se lembrou de “solidificar” o electrólito que permite funcionar as baterias de iões de lítio, quem o identificou. Foi em 2014 que a investigadora, agora com 47 anos, fez a primeira publicação sobre a tecnologia de electrólitos de vidro. A primeira patente foi assinada por ela, e por Jorge Ferreira, do Laboratório Nacional de Engenhara e Geologia (LNEG). As outras seis, já foram patentes americanas, com a Universidade do Texas ao barulho. Mas Maria Helena Braga está em todas.

Nesta quinta-feira, através de uma entrevista em vídeo, John B. Goodenough abrirá a Conferência Internacional Mission 10.000: Batteries, que decorrerá até sexta-feira no Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga. Nesse vídeo, o cientista fala sobre o futuro das baterias de iões de lítio e da procura de alternativas: “A criação de alternativas à tecnologia de iões de lítio não é um problema fácil, mas é um problema fazível”, alerta com citações enviadas pelo INL.  

“O futuro do armazenamento de energia vai passar por conseguirmos desenvolver baterias com recurso, por exemplo, ao sódio e ao potássio, que são elementos abundantes e não apresentam os problemas diplomáticos que o lítio tem”, afirma. “O essencial, tal como aconteceu com a bateria de lítio, é conseguir uma alternativa capaz de se tornar num produto comercializável.”

Além disso, destaca ainda a importância das baterias na transição energética. “As baterias são fundamentais porque temos de ser independentes dos combustíveis fósseis se quisermos fazer a transição para energias limpas e sustentáveis”, assinala. “É possível transformar a energia solar ou do vento em energia eléctrica, e podemos transportá-la através de linhas até um certo ponto. E depois? É por isso que vamos continuar a depender das baterias para levar a energia onde ela é precisa.” Helena Braga também estará na abertura desta conferência na sexta-feira. 

Com Luísa Pinto e Teresa Sofia Serafim

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