Testemunha-chave no processo contra Trump foi proibida de depor no Congresso

Embaixador dos EUA na União Europeia surge numa troca de mensagens em que outro responsável norte-americano suspeita de uma troca de favores entre Donald Trump e o Presidente ucraniano. Congresso acusa Casa Branca de obstrução e vai forçar audição de Gordon Sondland.

Foto
Sondland diz que continua disposto a responder às perguntas dos congressistas Reuters/FRANCOIS LENOIR

O embaixador norte-americano na União Europeia, uma das principais testemunhas nas investigações que podem levar a um processo de impugnação do Presidente Donald Trump, foi proibido de depor esta terça-feira perante três comissões da Câmara dos Representantes. Gordon Sondland teve um papel central na campanha de pressão feita pela Casa Branca ao Presidente da Ucrânia, e a proibição anunciada pelo Departamento de Estado à última hora pode levar os congressistas do Partido Democrata a acusarem Trump de obstrução da Justiça. Em resposta, os líderes das comissões anunciaram que vão intimar Sondland a depor.

A audição de Sondland estava marcada para esta terça-feira em Washington, D.C.), perante as três comissões da câmara baixa do Congresso norte-americano que estão a investigar o caso: a comissão de Supervisão, que é a que tem mais poderes de investigação, e também as comissões responsáveis pelos assuntos dos serviços secretos e das relações externas.

Horas antes de isso acontecer, o advogado do embaixador norte-americano na União Europeia anunciou que o Departamento de Estado travou as audições.

“O embaixador Sondland está profundamente desapontado por não poder testemunhar hoje”, disse o advogado Robert Luskin. “O embaixador Sondland acredita que agiu sempre em prol dos melhores interesses dos Estados Unidos, e continua preparado para responder às perguntas das comissões.”

No mesmo comunicado, o advogado diz que a ordem foi dada pelos superiores de Gordon Sondland no Departamento de Estado, pelo que o embaixador tem de a cumprir.

Com esta decisão, a Casa Branca – e o Presidente Trump em particular – fica na mira da maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes. Os responsáveis pelas comissões já disseram que qualquer tentativa para limitar as suas investigações pode dar origem a uma acusação de obstrução da Justiça – que pode vir a figurar num possível processo de impugnação contra o Presidente Trump.

Nesse sentido, os líderes das três comissões em causa anunciaram esta terça-feira que vão intimar Gordon Sondland a depor e a entregar ao Congresso todos os documentos em sua posse relacionados com a investigação – documentos que o embaixador norte-americano na União Europeia entregou ao Departamento de Estado e não ao Congresso quando podia fazê-lo voluntariamente.

“Consideramos que esta interferência é uma obstrução das investigações sobre o impeachment”, disseram os líderes das comissões num comunicado conjunto.

"Troca de favores"

Em causa está uma conversa telefónica entre Trump e o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, no dia 25 de Julho. Durante essa conversa, o Presidente norte-americano pediu a Zelensky que ordenasse a abertura de investigações contra Hunter Biden e o pai, Joe Biden – um dos mais fortes candidatos do Partido Democrata a enfrentar Trump nas eleições de Novembro de 2020.

A partir de uma denúncia de um agente dos serviços secretos norte-americanos sobre a conversa entre os dois Presidentes, entregue ao gabinete do inspector-geral em Agosto e conhecida no final de Setembro, o caso ganhou outras proporções. Na semana passada, o antigo enviado especial dos EUA para os assuntos relacionados com a Ucrânia, Kurt Volker, entregou ao Congresso uma série de mensagens trocadas com outros responsáveis do Departamento de Estado e com o advogado pessoal de Donald Trump, Rudolph Giuliani.

Numa dessas mensagens, o embaixador interino dos EUA em Kiev, William B. Taylor, diz a Gordon Sondland que acha “uma loucura reter assistência em segurança em troca de ajuda numa campanha política”.

Taylor referia-se ao facto de a Casa Branca ter retido o envio de quase 400 milhões de dólares para a Ucrânia antes do telefonema entre Trump e Zelensky, enquanto tentava obter do Governo ucraniano a garantia de que os Biden iriam ser investigados. Para além dos casos de Joe e Hunter Biden – que nunca foram acusados –, a Casa Branca pretendia também que a Ucrânia colaborasse numa investigação sobre a teoria da conspiração de que o anterior governo do país se uniu ao Partido Democrata norte-americano, em 2016, para inventar uma ligação de Donald Trump à Rússia.

O Presidente dos EUA tem defendido que é legítimo pedir ajuda a um país estrangeiro para investigar casos de corrupção, mesmo envolvendo adversários políticos internos. Depois de a Casa Branca ter libertado uma reconstrução da conversa telefónica entre Trump e Zelensky, a partir da memória dos que a testemunharam, o Presidente norte-americano já pediu publicamente à China que também investigue os Biden.

Trump afirma que nunca houve uma troca de favores e que não propôs nada em troca das investigações sobre os Biden. Segundo a reconstrução da conversa telefónica entre os Presidentes dos EUA e da Ucrânia, Donald Trump nunca fez directamente uma proposta de troca de favores, mas salientou a importância da ajuda norte-americana ao país (que estava suspensa, sem que houvesse uma explicação oficial para isso) e mostrou abertura para um encontro com Zelensky na Sala Oval – um acontecimento que o Presidente ucraniano desejava para mostrar à Rússia que conta com o apoio dos EUA.

Donald Trump diz que Joe Biden chantageou o Governo ucraniano em 2016, quando era vice-presidente dos EUA, para que o Ministério Público do país deixasse cair uma investigação à empresa em que o seu filho trabalhava, em troca de uma garantia para um empréstimo de mil milhões de dólares à Ucrânia.

Não há indícios de que Joe Biden tenha feito isso. Num vídeo que circula na Internet, o então vice-presidente norte-americano conta que ameaçou reter a garantia enquanto o procurador-geral ucraniano não fosse afastado, mas porque o responsável era visto no Ocidente como um entrave ao combate à corrupção, e não o contrário.

Sondagens em alta

Na sequência destas revelações, a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes formalizou, em Setembro, a abertura de investigações com vista a um processo de destituição do Presidente norte-americano. Foi no âmbito dessas investigações que a Câmara dos Representantes teve acesso às mensagens trocadas entre Gordon Sondland, William Taylor e Kurt Volker, entre outros, e que convocou o embaixador norte-americano na União Europeia a depor esta terça-feira.

Se as investigações em curso levarem a maioria dos congressistas na Câmara dos Representantes a aprovarem uma acusação contra Trump (o impeachment), o Senado terá de o condenar com base nessa acusação para que o Presidente seja afastado do cargo.

Como é um processo essencialmente político, e dependente da relação de forças no Congresso, a primeira parte é menos complicada porque é preciso apenas uma maioria simples na Câmara dos Representantes para acusar um Presidente e o Partido Democrata tem congressistas suficientes para isso. Mas a condenação, e o efectivo afastamento de Trump, é mais complicado – para que isso aconteça, tem de haver uma maioria de dois terços no Senado, ou 67 senadores em 100, e o Partido Democrata só tem 47 senadores.

A opinião pública é essencial para um processo de impeachment, e as sondagens têm indicado que há cada vez mais norte-americanos a apoiarem as investigações da Câmara dos Representantes. Uma sondagem da Schar School para o Washington Post, conhecida esta terça-feira, mostra pela primeira vez um apoio maioritário às investigações, com 58% dos inquiridos a dizerem agora que Donald Trump deve ser investigado – uma subida abrupta de mais de 20 pontos, dos 37% registados na mesma sondagem em Julho.

O número de inquiridos que defendem o afastamento do Presidente Trump também tem vindo a subir, estando agora a roçar a maioria, nos 49%. Mas a divisão entre os eleitores do Partido Democrata e do Partido Republicano continua a ser enorme: enquanto oito em cada dez democratas apoiam as investigações e a destituição de Trump, no Partido Republicano esse apoio desce para menos de três em cada dez. É entre os independentes que as mudanças mais se fazem sentir: 57% apoiam as investigações e 49% apoiam a destituição.

Senado chama Giuliani

Ainda que o apoio ao impeachment seja ténue entre os eleitores do Partido Republicano, também é verdade que esse apoio tem vindo a crescer na mesma ordem de grandeza em relação aos democratas e independentes. Segundo a sondagem da Schar School, de Julho para Outubro esse apoio cresceu 21 pontos entre os republicanos, 25 pontos entre os democratas e 20 pontos entre os independentes.

É por isso que o anúncio feito esta terça-feira por um dos mais acérrimos defensores do Presidentre Trump, o senador republicano Lindsey Graham – que na segunda-feira criticou de forma violenta o Presidente Trump pela sua decisão de permitir um ataque da Turquia contra os curdos na Síria – pode vir a ser mais um problema para a Casa Branca.

Ao anunciar que vai convidar o advogado pessoal de Trump a prestar esclarecimentos no Senado sobre as acções de Joe Biden, Graham pode forçar Rudolph Giuliani a negar esse convite e a levantar ainda mais suspeitas – ou então, a conhecida atracção de Giuliani pelo risco nas palavras pode abrir mais uma caixa de surpresas para a Casa Branca.

“Ao contrário da Câmara dos Representantes, eu estou farto de ouvir apenas um lado da história”, disse Lindsey Graham no Twitter. “Chegou a hora de dar voz a tudo o que diz respeito à Ucrânia. E que as fichas caiam onde caírem!”

Sugerir correcção
Ler 1 comentários