A política e os abstencionistas portugueses

Lutou-se muito pelo voto democrático e quase 50% nem dez minutos tiveram para se dedicar ao seu exercício.

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FRANCISCO Romão PEREIRA

Confesso que me é difícil entender estes níveis de abstenção num país que se queixa de tanta coisa. Se é verdade que existem razões para algumas dessas queixas, também não é menos verdade que não faltaram propostas para combater a corrupção, melhorar alguns serviços públicos e baixar os impostos nestas eleições legislativas. Claro que algumas advêm de programas que, analisados à lupa, assustam pelo retrocesso que representam ou pela sua inexequibilidade num país como Portugal, mas não deixam de existir de forma independente para o seu nicho.

Lutou-se muito pelo voto democrático e quase 50% nem dez minutos tiveram para se dedicar ao seu exercício. Lamentavelmente, apenas não se analisou a nossa política externa nesta campanha, em tempos que ela influi como nunca na política nacional e na vida dos portugueses. Duvido é que seja por aí que alguém tenha deixado de ir votar, até porque foram debatidas todas as outras vertentes. Com laivos agressivos aqui e ali, mas que são próprios do combate democrático. Quando se observa a política noutros países atualmente, essa elevação e civilidade até nos torna um oásis exemplar. (Eu sei, é quase ofensivo escrever isto num país cujo desporto preferido é bater nos políticos). E sobretudo quando se compara ao lixo que reina noutros mundos como o do futebol.

Muitas vezes é preciso voltar às bases e explicar que existem mais variáveis na política do que em praticamente todas as outras áreas profissionais e que isso a torna mais complexa. Que temos bons e maus políticos, tal como bons e maus médicos, empresários, gestores, jornalistas, entre todas as outras profissões, mas que não vivem do escrutínio e da decisão popular.

Talvez por isso se explique a exaltação e a unanimidade na condenação moral de um governante quando ele reage de forma mais intempestiva a uma calúnia relativa a Pedrógão e que significou a vida de tanta gente. Aos políticos nacionais não são permitidas emoções! Pois, eu preferirei sempre quem sente as calúnias e reage por não ser cúmplice delas do que o seu oposto. Pode parecer um pormenor, mas é ao procurar relevar estes episódios politicamente que se faz a apologia dos políticos de plástico, desalmados, ou que se vem a parir um dia o “Chega” no governo. No preciso momento em que a calúnia se tornar norma por não ter sido combatida e desmascarada na sua plenitude.

Estes níveis de abstenção dizem respeito em primeira e última instância a uma parte de pessoas desinteressadas e à confortabilidade da democracia em Portugal, que ainda afasta esse cenário da calúnia como norma. A outra parte de quem não vota, pouco se interessa pelo processo e pela conquista democrática. O voto obrigatório também não resolverá nada e vai contra a natureza democrática que vive da “vontade” de cada um em exercê-lo.

Se algum dia o decretarmos, ainda corremos o risco de a profecia de ontem do líder do Chega se tornar real e este tornar-se o maior partido nacional em poucos anos. Admirem-se!

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