Escândalos presidenciais

Muitos dos que estavam disponíveis para criticar o mais irrelevante gesto de Obama são os mesmos que continuam a defender Donald Trump, faça ele o que fizer

O talk show norte-americano Daily Show, conduzido por Trevor Noah desde a saída de Jon Stewart, tem vindo a fazer uma série de sketches humorísticos em que revela alguns dos “piores escândalos da história presidencial” dos Estados Unidos que têm como protagonista... o ex-presidente Barack Obama.  

Entre os escândalos enumerados está a vez em que o ex-presidente decidiu pedir “mostarda de Dijon” para o seu hambúrguer, quando utilizou um facto de cor creme, quando utilizou um selfie stick no interior da Sala Oval ou quando não usou um pin na lapela com a bandeira dos Estados Unidos. É um exercício de ironia, sublinhado por um dramatismo artificial, mas que repesca os clips dos comentadores da altura, muitos da Fox News, mas não só. É ouvi-los a considerar que a falta de pin quer dizer que o presidente “odeia a bandeira”, que andar de bicicleta com capacete “é um sinal de fraqueza” em comparação com o musculado Putin a cavalo, ou que saudar um marine com um copo de café na mão era “desrespeitoso” e algo “não presidencial”. Os sketches acabam quase sempre com a imagem de um presidente anterior a Obama, ou com Donald Trump, a fazer exactamente aquilo que tanto escândalo tinha causado.

Estes momentos de humor são um excelente exercício de memória para nos ajudar a perceber como a máquina de propaganda que é a Fox News, o canal mais visto dos EUA, conseguiu transformar o cosmopolitismo de Obama, em algo pouco sério, elitista e afastado da tradição e do cidadão comum. Uma imagem que se viria a colar também aos democratas.

Mas são também um murro no estômago ao percebermos que muitos daqueles que estavam disponíveis para criticar o mais irrelevante gesto de Obama são os mesmos que hoje continuam a ocupar o mesmo ecrã a defender Donald Trump, faça ele o que fizer.

Só uma sociedade completamente polarizada e o maniqueísmo reinante podem explicar a disparidade de julgamentos e nos pode ajudar a perceber como, perante o escândalo que são os telefonemas do presidente Trump ao seu congénere ucraniano, o processo de destituição, entretanto aberto, parece ter tão poucas hipóteses de terminar com a saída do presidente.

Mas a bem da sanidade, mesmo que os republicanos não o ouçam ou não queiram ouvir, é preciso dizer que um dos “piores escândalos da história presidencial” é mesmo o que Trump fez ao tentar usar as relações com um país estrangeiro para prejudicar um oponente político. Parece estúpido ter que explicar isto, mas é aqui, para mal de nós todos, que a América está neste momento.

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