EUA querem recolher e guardar ADN de imigrantes detidos na fronteira

Objectivo é juntar os perfis genéticos à base de dados destinada à investigação criminal. Críticos falam numa política de vigilância da população que pode afectar para sempre milhões de pessoas inocentes, incluindo cidadãos norte-americanos.

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Migrantes na fronteira com os EUA Reuters/JOSE LUIS GONZALEZ

Os agentes norte-americanos que controlam a fronteira dos EUA com o México vão ser autorizados a recolher amostras de ADN de cada uma das centenas de milhares de pessoas que entram no país todos os anos sem documentos legais, incluindo crianças e requerentes de asilo. Os resultados dessas análises vão depois ser guardados numa base de dados nacional que, até agora, era utilizada apenas para registar informações sobre pessoas detidas, acusadas ou condenadas por crimes graves.

Em causa está uma lei aprovada pelo Congresso norte-americano em 2005 que alargou a recolha de amostras de ADN a vários grupos da população, incluindo migrantes sem documentos detidos na fronteira, como parte das leis de combate à violência contra as mulheres.

Mas os receios de que essa medida viesse a pôr em causa o direito à privacidade de milhões de pessoas – entre as quais muitos cidadãos norte-americanos que são envolvidos, por erro, em processos de imigração ilegal, e que depois têm dificuldade em esclarecer os seus casos – levaram a Administração Obama a incluir excepções nos regulamentos dos serviços de fronteiras.

É por isso que os migrantes cuja única transgressão conhecida é terem entrado nos EUA sem documentos legais, ou com a intenção de pedirem asilo humanitário, não têm sido alvo de recolha de ADN.

"Vigilância da população"

Agora, a decisão da Administração Trump de riscar dos regulamentos as excepções criadas pela Administração Obama está a causar preocupação e indignação em vários sectores da sociedade norte-americana, em particular nas associações de defesa dos direitos humanos e do direito à privacidade.

“Este tipo de recolha, tão abrangente, altera o objectivo da recolha de ADN do âmbito da investigação criminal para a vigilância da população, o que é contrário aos nossos princípios de uma sociedade livre, autónoma e baseada na confiança”, disse ao jornal New York Times a advogada Vera Eidelman, da União Americana pelas Liberdades Civis.

Em particular, os críticos da medida dizem que a recolha generalizada de amostras de ADN, tanto na fronteira como nos cerca de 200 centros de detenção espalhados pelo país, vai afectar também os familiares dos migrantes, que podem ser cidadãos norte-americanos ou ter autorização de residência.

Uma vez guardadas na base de dados nacional, essas amostras podem permitir o acesso a informações vitais sobre os familiares dos migrantes, sem que eles tenham cometido qualquer infracção ou crime. Para além das questões éticas relacionadas com a recolha de marcadores genéticos de milhões de pessoas, ao longo dos anos, sem que haja suspeitas de terem cometido crimes graves, há outros receios: por exemplo, essas pessoas podem vir a ser prejudicadas por decisões de seguradoras ou por possíveis empregadores que tenham acesso a amostras com marcadores de doenças graves.

Os opositores da medida alertam também que as análises ao ADN entre famílias, para se confirmar a paternidade de crianças, podem criar vários problemas, como a separação de filhos adoptados informalmente – uma prática comum em países com elevadas taxas de criminalidade, como El Salvador, Honduras ou Guatemala.

Valas, cobras e tiros

A medida ainda não entrou em vigor, mas o Departamento de Justiça está a trabalhar nas alterações necessárias ao regulamento que está em vigor, segundo o New York Times. Depois disso, haverá um período de 60 dias para discussão pública, o que deverá atirar o arranque da nova política da Administração Trump para o início do próximo ano.

O Presidente Donald Trump autorizou várias medidas polémicas anti-imigração desde que anunciou uma política de “tolerância zero” na fronteira, no Verão do ano passado.

Algumas delas, como a separação de crianças dos seus pais, foram travadas ou restringidas pelos tribunais; outras, como construir valas cheias de água repletas de cobras ou jacarés, ou balear imigrantes nas pernas, terão sido sugeridas numa reunião na Sala Oval, em Março, mas nunca chegaram a ser discutidas com profundidade.

Os pormenores dessa reunião na Casa Branca, em Março, foram avançados na terça-feira pelo New York Times e foram prontamente desmentidos pelo Presidente Trump.

Mas, na quarta-feira, a ABC News confirmou a notícia do Times, citando um responsável da Casa Branca que esteve na reunião: “Frustrado com o número recorde de pessoas que pediram asilo na fronteira com o México na Primavera, o Presidente Donald Trump perguntou aos seus conselheiros mais próximos, numa reunião privada, se os EUA poderiam balear migrantes abaixo da cintura para atrasar a sua marcha.”

Esta quinta-feira, Trump partilhou no Twitter a notícia da ABC News e voltou a desmentir os pormenores da reunião: “Fake News, tal como as cobras e os aligátores no fosso. Os media estão loucos, perderam a cabeça!”

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