Um plano para “inglês ver” e Bruxelas chumbar

O presidente da Comissão Europeia já o definiu como “defeituoso” e “impraticável”, mas como é a primeira vez que Johnson revela uma posição construtiva, embora dissimulada, não tem alternativas senão ir a jogo.

O Governo de Boris Johnson avançou finalmente com uma proposta de solução para tentar superar o dramático futuro da fronteira na Irlanda após a consumação do “Brexit”. O documento de sete páginas que dá corpo à proposta vale menos pelos mecanismos que propõe para o comércio entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda do que pela simbologia política que expressa.

Na prática, a solução acolhe a receita prevista no backstop, nomeadamente ao nível das trocas comercias de produtos agrícolas e pecuários ou dos bens de pequenas empresas, sem abdicar de uma saída completa do Reino Unido do mercado único europeu. Em vez de simplificar uma solução complexa acordada pela ex-primeira-ministra Theresa May, a receita de Johnson complica. Nada de novo: não é a sensível questão irlandesa que o preocupa de facto.

Pressionado por todos os lados, Johnson bateu-se pela saída do Reino Unido da União Europeia no final do mês, como se esse gesto pretensamente adoptado em nome da vontade popular pudesse demolir todas as barreiras políticas, técnicas e aduaneiras em cima da mesa. Deu conta que a estratégia não bastava, que precisava de assumir uma pose construtiva, não apenas para fazer figura em Bruxelas, como para superar os duros constrangimentos que o Parlamento lhe aplicara. O seu plano para substituir o backstop faz parte dessa estratégia.

É um plano mal-amanhado, feito de recortes, tecnicamente débil e politicamente frágil, que nem assume a criação de uma fronteira pura e dura (os controlos alfandegários serão feitos em diferentes pontos do território da Irlanda), nem assume a livre circulação na Irlanda, nem rasga o Acordo de Sexta-Feira Santa que garante a paz na ilha, nem o cumpre integralmente. É um esforço imaginoso que tenta o impossível, uma fórmula entre o trânsito irrestrito de bens e o controlo soberano do espaço económico do Reino Unido.

Johnson dificilmente conseguirá fazer passar o seu plano, seja em Londres, seja em Bruxelas. O presidente da Comissão Europeia já o definiu como “defeituoso” e “impraticável”, mas como é a primeira vez que Johnson revela uma posição construtiva, embora dissimulada, não tem alternativas senão ir a jogo. Sobre a grande questão em cima da mesa, a criação de um quadro de relacionamento estável e proveitoso para todas as partes no futuro, não há nada de novo. O “Brexit” continuará a esfacelar a solidez da democracia britânica e a alimentar a tensão e o ressentimento entre o continente e o reino do outro lado da Mancha.

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