Ruído, droga e insegurança: um ano depois, mantêm-se as queixas dos moradores do centro histórico de Lisboa

Residentes pedem reforço da fiscalização e mais policiamento nas suas freguesias, onde problemas como o ruído, o tráfico de droga e a violência se têm agravado. Câmara diz estar atenta.

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BLR bruno lisita

“Aquilo é um medo, um terror, onde não temos paz nem sossego”. Há quase um ano, era assim que uma munícipe descrevia o ambiente que se vivia junto ao Miradouro de Santa Catarina, freguesia da Misericórdia, já depois de a câmara ter mandado vedar o espaço. Na noite de quarta-feira, como há um ano, a descrição do que acontece hoje naquela zona, alargada à Bica e ao Bairro Alto, é praticamente a mesma: “A rua da Bica, a partir das quatro da tarde, torna-se uma selva, uma terra sem lei”. 

O ruído, o constante assédio de moradores e turistas por traficantes de droga, agressões, e o lixo que se acumula nas ruas são os principais problemas apontados pelos munícipes que se fizeram ouvir numa reunião descentralizada da autarquia destinada a ouvir quem vive nas freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António.

“Na semana passada foram agredidos trabalhadores da agência de seguros que está no Largo do Calhariz às quatro da tarde porque abordaram um dealer”, contou o munícipe Vítor Moutinho. Outros descreveram o ambiente de insegurança que se vive naquela zona. Carlos Branco, que trabalha numa gelataria na zona, contou que várias pessoas que por ali passam acabam muitas vezes por se refugiar dentro das lojas para evitar o assédio dos traficantes. 

“Perguntam abertamente se querem comprar droga seja a uma criança de 12 anos ou a uma pessoa de 60”, queixou-se outro munícipe. Mas o tráfico de droga não é o único problema. Quem ali mora queixa-se dos bares que servem bebidas para a rua até às 2h e do excesso de barulho de quem fica à porta a beber, a conversar, a tocar ou a cantar madrugada fora.

“As pessoas sentam-se ali a beber e a comer e este amontoado de gente traz os vendedores ambulantes que não são os do pão com chouriço, mas são de drogas”, notou Vigília Lopes, residente na freguesia da Misericórdia e membro da associação de moradores “A Voz do Bairro”. 

O clima de insegurança que se instala acaba por inibir a circulação de quem ali mora, depois de determinada hora. Muitas vezes, os moradores têm dificuldade a entrar em casa porque as entradas são ocupadas por pessoas que ali se sentam por não terem lugar nos bares.

Ainda assim, os residentes reconhecem que o policiamento aumentou, mas que continua a não ser suficiente. Só a presença policial 24 horas por dia poderia mitigar a presença de traficantes, acreditam, denunciando ainda que parece existir falta de cooperação entre as autoridades presentes no território, como a PSP e a Polícia Municipal. Reclamam por isso por mais fiscalização, mais presença de polícias à paisana, enquanto o sistema de videovigilância — há muito anunciado pela autarquia — não avança. 

Na resposta a estas denúncias, o vereador da Mobilidade e Segurança, Miguel Gaspar, fez questão de notar que a Polícia Municipal fiscaliza 560 estabelecimentos por mês, só na freguesia da Misericórdia. Mas que “o desafio permanece”. Adiantou ainda que o processo de instalação de câmaras de videovigilância continua a decorrer — está em fase final de apreciação no Ministério da Administração Interna e na Comissão Nacional de Protecção de Dados — e que o primeiro local onde serão colocadas será mesmo na zona do Miradouro de Santa Catarina, com a instalação de dez câmaras. Soube-se esta quinta-feira que o miradouro, que é também conhecido por Adamastor, reabre para a semana com horário limitado. 

Fim do Licenciamento Zero

Luís Paisana, da associação de moradores da Misericórdia, defende mesmo o fim do Licenciamento Zero — iniciativa que procura tornar mais fácil a abertura de alguns negócios — para estabelecimentos de restauração no centro histórico. “Não faz sentido continuarem-se a abrir bares com 20 metros quadrados com janelas e portas para a rua”, disse, defendendo também a proibição do consumo de álcool na rua a partir das 23h. 

A medida foi também defendida pelos presidentes das juntas da Misericórdia e de Santa Maria Maior e pelo próprio presidente da câmara. Mas Fernando Medina lembrou que tal não está nas mãos da autarquia, por se tratar de uma lei nacional. “A lei do licenciamento zero retirou às câmaras municipais qualquer possibilidade de regulação de qualquer actividade económica em qualquer sítio da cidade”, notou. 

“Temos de rever a lei do Licenciamento Zero. Temos de ter um regulamento eficaz, fortemente penalizador para quem não cumpre, sobretudo para os bares e barzinhos. Temos de ter a coragem de proibir a venda para a rua”, notou, por sua vez, Miguel Coelho, autarca de Santa Maria Maior. 

Quanto ao clima de insegurança relatado por vários munícipes, Medina apenas disse que o reforço do policiamento não é “uma atribuição que a câmara tenha directamente”, mas que a autarquia tem “um diálogo muito estreito com a PSP”. 

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