Tribunal Europeu abre a porta à anulação de créditos na Polónia

Decisão passa a responsabilidade para os tribunais polacos, mas admite que os clientes possam reclamar a anulação dos contratos que passaram de francos suíços para a moeda local, quando essa mudança tiver sido abusiva. BCP arrisca perdas com esta decisão.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Era uma decisão muito esperada na Polónia mas também em Lisboa, na sede do BCP. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) anunciou, esta quinta-feira, a sua decisão sobre os efeitos da alteração do indexante cambial de um contrato de crédito de francos suíços para zlotys, a moeda polaca. E concluiu que essa mudança, se for considerada abusiva, não pode simplesmente ser substituída à luz da lei polaca, abrindo a porta a que os contratos possam ser anulados.

O caso foi colocado por dois clientes do polaco Raiffeisen Bank que recorreram a um tribunal local alegando que o contrato de crédito indexado ao franco suíço (e contabilizado em zlotys) devia ser considerado nulo devido ao que defendem ser condições abusivas (por terem ficado expostos ao risco cambial). Um risco que teve consequências graves na sequência do fim da indexação do franco suíço a moedas europeias, deixando muitas famílias sem condições de pagar o crédito, que disparou de valor com a contabilização da dívida em zlotys segundo a taxa cambial aplicada pelos bancos.

Para o tribunal europeu, os termos abusivos em questão “não podem ser substituídos pelas provisões gerais da lei civil polaca”, uma vez que o que for aplicado nos contratos à luz da lei local “não resolve as falhas num contrato provocadas pela retirada dos termos abusivos que lá estavam”.

Por outro lado, e numa decisão que promete ter consequências negativas para os bancos polacos – entre os quais se encontra o Bank Millennum, controlado pelo BCP – o tribunal conclui que, perante a sua primeira conclusão, “não pode impossibilitar a anulação do contrato em questão” por um tribunal polaco, uma vez que, depois de retirados os termos abusivos, a natureza do contrato arrisca ficar em causa.  

“Esta decisão é vista como favorável para os clientes com créditos à habitação, daí as acções dos bancos polacos terem caído”, ainda que ligeiramente, explicou à Bloomberg um analista financeiro. “No entanto, os casos vão continuar a ser decididos individualmente e poderão demorar muito tempo até ficarem resolvidos. E, em casos anteriores já decididos, os bancos acabam a ganhar na maior parte das vezes”, continuou. 

De acordo com a Bloomberg, deram entrada cerca de 8000 processos nos tribunais polacos, que já deliberaram sobre 70 processos (dos quais, 10 acompanharam as teses do Bank Millennium, detido pelo BCP), sendo que 90% das decisões judiciais foi favorável aos bancos.

As acções dos bancos polacos e do próprio zloty têm desvalorizado nos últimos meses em antecipação desta decisão do TJUE, apesar de os reguladores polacos terem desdramatizado o impacto que possa ter no sector e o governo ter mesmo admitido que tomaria medidas para garantir a estabilidade do sistema financeiro em qualquer circunstância.

Em causa estão contratos de crédito à habitação de cerca de meio milhão de famílias polacas. E a associação de bancos polacos já veio alertar para o potencial efeito negativo de uma anulação em massa de contratos, que poderia provocar danos na ordem dos 14 mil milhões de euros em todo o sector. 

Os títulos do BCP, em Lisboa, reagiram em alta nos minutos a seguir à decisão do Tribunal Europeu e chegaram ao final da manhã a valorizar cerca de 5%. 

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