Criada uma nova técnica que permite ver a nanoestrutura das células

Cientistas em Portugal desenvolveram um método que contribuirá para identificação das alterações nas estruturas celulares e que poderá ser usado na caracterização da doença de Alzheimer.

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Na nova técnica, usa-se um microscópio confocal e uma camada fina de ouro Pedro Cunha/Arquivo

Há doenças que alteram as pequeníssimas estruturas das células. Contudo, é difícil observar essas alterações a nível nanométrico com microscópios ópticos. Por isso, uma equipa de cientistas do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, e da Universidade de Tampere, na Finlândia, desenvolveu uma nova técnica que permite ver a nanoestrutura das células. Este método poderá vir a ser usado na análise de biópsias ou na caracterização da doença de Alzheimer em laboratório.

“Algumas doenças, como a doença de Alzheimer, alteram as estruturas celulares, resultando em morte celular. Além disso, algumas estruturas celulares têm impacto directo no cancro, pois sofrem alterações durante a doença”, assinala-se num comunicado do INL sobre o artigo publicado na revista científica Biochimica et Biophysica Acta – Molecular Cell Research. Desta forma, é crucial criar técnicas de microscópio que consigam analisar essas estruturas e identificar as doenças provocadas por essas mudanças numa fase inicial.

“No caso da microscopia óptica, quando fazemos um varrimento em altura e quando queremos ir mais fundo na amostra, a resolução é muito baixa”, indica ao PÚBLICO Edite Figueiras, primeira autora do artigo e antiga investigadora no INL (agora cientista na Fundação Champalimaud). “Normalmente, a resolução num microscópio óptico normal é da ordem dos micrómetros, agora conseguimos uma resolução na ordem dos nanómetros.” A equipa coordenada por Jana Nieder (do INL) obteve este resultado porque observou à escala nanométrica que duas proteínas estavam em camadas diferentes do núcleo celular.

Para isso, cultivou fibroblastos (células de tecido conjuntivo) de ratinhos em cima de uma camada fina de ouro. Depois, colocou nessas células uma solução com moléculas fluorescentes, que se agregaram à laminina A/C e à laminina B1, as tais proteínas da membrana do núcleo celular.

De seguida, pôs-se essa amostra num microscópio confocal e usou-se um laser para se adquirir a imagem de tempos de vida de fluorescência – isto é, a intensidade da luz ao longo do tempo medida em nanossegundos. Com base no tempo de vida de fluorescência e através de cálculos matemáticos, obteve-se a distância da molécula à camada de ouro: se a molécula estivesse mais perto do ouro, o tempo de vida de fluorescência seria menor; mas se estivesse mais longe do ouro, o tempo de vida de fluorescência seria maior.

Ao obter-se o tempo de vida de fluorescência das proteínas, viu-se que estavam em diferentes camadas do núcleo da célula: a laminina B1 estava mais perto do ouro e a laminina A/C estava mais longe, nomeadamente a 15 nanómetros uma da outra.

“Com esta técnica, conseguimos distinguir proteínas que estão em diferentes camadas do núcleo da célula, o que já se suspeitava, mas ainda não se tinha visto com outras técnicas. Isto pode ter influência a nível da actividade da célula, de como funciona e dos processos celulares”, assinala Edite Figueiras. “É empolgante conseguir alcançar uma resolução de apenas alguns nanómetros com recurso a luz laser, alcançando assim a escala de tamanhos das membranas e complexos de proteínas.”

A arquitectura celular

Denominada “Microscopia de Tempo de Vida de Fluorescência Confocal com Transferência de Energia Induzida por Metal”, esta técnica permitirá conhecer a uma escala nanométrica a arquitectura da célula e perceber como as doenças afectam a estrutura celular. “Ao conseguirmos caracterizar como uma doença afecta a estrutura das células, também conseguimos perceber melhor as doenças e fazer terapias mais adequadas”, explica a investigadora. 

A nível clínico, esta técnica poderá ser usada na análise de biópsias, para que se percebam quais os danos causados nas células. Na doença de Alzheimer poderá ser utilizada para caracterizar esta doença em laboratório e contribuir para o desenvolvimento de novas terapias.

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Da esquerda para a direita: : Jana Nieder, coordenadora do trabalho; e Edite Figueiras, primeira autora do estudo DR

Edite Figueiras explica ainda que outras equipas de cientistas já tinham desenvolvido outras técnicas semelhantes a esta. Contudo, o método desenvolvido pelo seu grupo tem um processamento de dados mais rápido, o que leva a resultados mais rápidos.

Por agora, uma equipa do INL está a desenvolver a mesma técnica com outros materiais além do ouro, como o grafeno. Jana Nieder refere que outros materiais “podem ser utilizados numa abordagem semelhante para alcançar uma resolução axial ainda mais alta permitindo resolver estruturas moleculares ou ajudar a desenvolver biossensores moleculares”. Por sua vez, Teemu Ihalainen, da Universidade de Tampere e um dos autores do artigo, considera: “Esta metodologia abre novos caminhos nos estudos de organização do nível molecular de diferentes estruturas celulares. Estamos muito interessados em continuar a colaboração com Jana Nieder e o INL para investigar a organização detalhada do nosso genoma e como essa organização muda em diferentes condições patológicas.”

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