Desenvolvimento insustentável

O modelo de desenvolvimento insustentável do pós-revolução industrial conduziu ao estado ambiental que todos nós conhecemos. Mas é preciso ir muito mais longe quer no plano motivacional, quer no plano punitivo, pois, que se saiba, não temos planeta alternativo para habitar.

São muitas as pessoas que em Portugal falam em desenvolvimento sustentável, mas poucas as que fazem alguma coisa para que tal aconteça. Já não basta proceder à separação do lixo doméstico para que seja legítimo reivindicar uma atuação em prol do meio ambiente. É necessário fazer muito mais do que isso.

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 66.º não só o direito “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”, mas também “o dever de o defender”. Em cumprimento desse dever, venho lutando incessantemente e desde 2001 contra a co-incineração de resíduos perigosos, apontando a pirólise como o método adequado e não nocivo para o tratamento de tais resíduos.

Enquanto o tema deu direito a tempo de antena e foi inclusive abertura de múltiplos telejornais, foram muitos os que deram a cara na luta contra a queima dos resíduos perigosos em Souselas e na Serra da Arrábida. A partir do momento em que a co-incineração passou a ser metida na gaveta, eclipsaram-se os palradores e ficaram apenas os verdadeiramente resistentes.

Já lá vai o tempo em que reitores da Universidade de Coimbra eram férreos opositores à queima de resíduos perigosos a 5 km em linha reta do centro da cidade, como foi o caso de Fernando Rebelo e João Gabriel Silva, que consideraram que a escolha de Souselas para a co-incineração de tais resíduos era uma afronta a Coimbra e à sua Universidade.

Um dos pareceres mais elucidativos dos graves riscos inerentes à queima dos resíduos perigosos é da autoria dos médicos José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, e Carlos Ramalheira, e foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Científico da Faculdade de Medicina. Nele se apontam os efeitos brutais e letais resultantes da produção de POP’s – Poluentes Orgânicos Persistentes durante o processo de combustão dos resíduos perigosos, designadamente de dioxinas e furanos que são substâncias altamente cancerígenas e cujos efeitos subsistem durante mais de 30 anos.

Que se reduza o consumo de carne de vaca é compreensível atento o facto de tais animais emitiram consideráveis quantidades de gás metano, que contribui significativamente para o aumento do buraco na camada de ozono; o que já não se compreende é que o atual reitor da Universidade de Coimbra, Amilcar Falcão, não tenha proferido até agora uma única palavra contra a co-incineração de resíduos perigosos em Souselas/Coimbra, apesar de ter sido eleito em 11 de Fevereiro do corrente ano.

Se não fosse o Grupo de Cidadãos de Coimbra que instaurou ações populares contra a co-incineração de resíduos perigosos em Souselas/Coimbra e os municípios de Setúbal, Palmela e Sesimbra, que tenho a honra de representar como advogado, que instauraram ações populares contra a co-incineração de resíduos perigosos no Outão/Arrábida, já a co-incineração estaria a ser processada desde 2001 por força do despacho do então ministro do Ambiente, José Sócrates. Tal despacho foi impugnado por mim e pelo Dr. Manuel Salazar, advogado de Setúbal, e foi considerado revogado em Janeiro de 2004 pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Em 2006, o primeiro Governo Sócrates retomou o propósito de impor a co-incineração de resíduos perigosos em Souselas e Outão apesar de serem conhecidos outros métodos de tratamento de tais resíduos que não são nocivos para o ambiente ou para a saúde pública. Seguiu-se uma longa batalha judicial sobre a qual não me pronuncio por esta via por razões deontológicas, em virtude de estarem pendentes ações populares em que sou o primeiro co-autor e/ou advogado.

O modelo de desenvolvimento insustentável do pós-revolução industrial conduziu ao estado ambiental que todos nós conhecemos, o que gerou a gigantesca onda de contestação a que temos assistido recentemente. É muito interessante que sejam os mais novos a abanar as gerações acomodadas para um gravíssimo problema com que a humanidade está confrontada.

É preciso ir muito mais longe quer no plano motivacional, quer no plano punitivo, pois, que se saiba, não temos planeta alternativo para habitar.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico 

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