Tancos, os militares e os políticos

A instituição militar continua a considerar-se como um mundo à parte e o poder político parece incapaz de lhe explicar que ela é apenas uma instituição com a função específica de defender o país e servi-lo.

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Há um lado do “caso de Tancos” que, curiosamente, está a ser pouco ou nada escrutinado no debate omnipresente sobre o assunto. Refiro-me à responsabilidade dos militares nesta história, que acabou por explodir na campanha eleitoral, secando tudo à sua volta.

O roubo deu-se em virtude do desmazelo e da incompetência da instituição militar, o que levanta uma questão de fundo. Vasco Pulido Valente resumiu-a de forma lapidar no seu Diário do último sábado. Depois de escrever que o “caso de Tancos” é sobre as relações entre o poder civil e o poder militar, prossegue: “Ficámos a saber que o dr. Azeredo Lopes desmaia perante uma farda. Já é péssimo, principalmente porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma farda nos tempos que vão correndo?”

Por uma razão inexplicável, a instituição militar continua a considerar-se como um mundo à parte e o poder político parece incapaz de lhe explicar que é apenas uma instituição com a função específica de defender o país e servi-lo nas missões militares que lhes são atribuídas, que depende inteiramente do poder civil e que deve sujeitar-se ao mesmo escrutínio de qualquer outra instituição, como é próprio de uma democracia.

O problema é que esse escrutínio não existe. Mais grave ainda, de cada vez que o Governo manifesta a intenção de retirar aos militares alguma das muitas regalias de que ainda hoje auferem (muito menos do que no passado, apesar de tudo), do sargento ao general, todos se acham com direito de vir protestar publicamente e, por vezes, dão-se ao desplante de deixar intuir uma vaga ameaça de quem detém a posse das armas.

Isto acontece mais de 40 anos depois do 25 de Abril. Comprovando mais uma vez este estranho estado das coisas, os militares conseguem de novo passar incólumes na “guerra” política travada em torno do “caso de Tancos”, sem que ninguém lhes aponte o dedo. Continuamos a desmaiar perante uma farda? Parece que sim. 

Compreende-se que o Governo não queira falar do assunto nessa perspectiva. Não apenas não escrutinou devidamente o funcionamento da instituição militar, como seria acusado de andar à procura de desculpas. Já o PSD não teria qualquer impedimento em trazer ao debate esse lado lamentável sobre o estado das nossas Forças Armadas. Não o fez. Rui Rio, que se gaba de dizer o que pensa — mesmo que às vezes devesse ter mais cuidado com o que diz —, agarrou-se a Tancos como uma verdadeira bóia de salvação para retirá-lo do aperto a que as sondagens pareciam condená-lo. Deixou em casa oportunamente as suas teorias sobre a justiça e não mais largou o assunto. Faz todos os dias o possível e o impossível para mantê-lo à tona.

O seu alvo é o primeiro-ministro e o seu alegado conhecimento do encobrimento. Curiosamente, não tem a mesma exigência e nem lança a mesma suspeição em relação ao Presidente, cujo chefe da Casa Militar, que se demitiu pouco depois do roubo, é indicado pela acusação como testemunha.

Pensando dois minutos, é possível chegar a algumas conclusões tão lógicas e tão legítimas como quaisquer outras. Primeira, António Costa é suficientemente experiente e hábil (os seus críticos preferem dizer habilidoso, mas é a mesma coisa) para ter imediatamente impedido o encobrimento, caso o seu ministro o tivesse informado.

É preciso ser muito incompetente e politicamente impreparado para alinhar numa tramóia deste género, se ela existiu nos termos em que a acusação a descreve.

Segunda, se cometeu um erro do qual é o único responsável terá sido o de escolher Azeredo Lopes para uma pasta como esta — que, para não haver desmaios, exige políticos com experiência e com visão sobre qual é o papel das Forças Armadas numa democracia.

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