Fake news

Embora importantes, não chega termos instituições fortes e credíveis. É preciso continuar a duvidar para podermos acreditar em alguma coisa.

Não há dia que passe sem que se fale em fake news. As fake news saltaram do Twitter de Trump para o nosso léxico político num ápice. Mas há fake news e fake news.

As fake news de Trump são uma estratégia para descredibilizar a imprensa que lhe é hostil. A táctica de Trump é simples: tenta neutralizar notícias incómodas descredibilizando-as. De facto, uma notícia incómoda pode tornar-se menos incómoda com um passe de mágica: basta que passe de news a fake news.

Mas há mesmo notícias que são fabricadas intencionalmente. Hoje em dia, todos nós sabemos que as notícias que nos chegam ao telemóvel podem ser falsas. Sobretudo nestes dias de campanha eleitoral, como distinguir umas das outras? Será que ainda podemos acreditar em alguma coisa? Ou será que estamos condenados a desconfiar de tudo que lemos na imprensa e redes sociais? Onde é que isto vai parar?

A verdade é que é isto não vai parar. Pelo menos, não esperem que pare tão cedo.

Isto por várias razões.

Em primeiro lugar, a desinformação usada com fins políticos ou económicos acompanha-nos há muito. As fake news estão connosco praticamente desde que se inventou a imprensa. Nos últimos anos, muito se escreveu sobre a história da desinformação. A principal conclusão é que raramente acaba cedo, e nunca acaba bem. Uma vez aberta a caixa de Pandora, não há forma de voltar a colocá-la dentro da caixa. Isto nunca foi tão verdade como hoje. Na era digital da Internet, a proliferação exponencial de meios de produção e circulação de informação é imparável. Por mais fact-checks que se façam, e é imprescindível que assim seja, ficaremos sempre aquém da dúvida instalada. Por exemplo, se fossem outros a fazer o fact-check, talvez a “notícia falsa” não fosse tão falsa. A verdade é que uma vez perdida a fé é muito difícil voltar a acreditar no que quer que seja. Pelo menos, acreditar da mesma forma que se acreditava antes. A história das fake news é, no fundamental, uma história de desencantamento.

Em segundo lugar, as fake news estão para durar porque ajudam quem acredita nelas a perceber o mundo. Psicologicamente, é contra-intuitivo colocarmos os nossos interesses e valores em questão. Sempre que confrontados com uma notícia que vai contra o que pensamos ou questiona os nossos interesses, é mais conveniente pensar de que se trata de fake news: “Como é que o ídolo em que eu acreditei toda a vida fez aquilo? Tem de ser falso...” Acreditar em fake news é, portanto, e paradoxalmente, uma forma de reencantamento. Uma maneira de as pessoas se protegerem de mudanças que não compreendem num mundo que não controlam.

Em terceiro lugar, a desinformação é uma ideia subversiva. As fake news nunca são apenas sobre os factos. São uma forma de dizer que não se confia no sistema que produz os factos. É uma declaração de desconfiança no sistema como um todo. Que melhor forma há de subverter uma ordem política, social ou económica, do que dizer que não se acredita nela? Há, pois, algo de intrinsecamente corrosivo por detrás da ideia de notícias falsas. Não é só a notícia que é falsa; é a imprensa que é falsa, é o próprio sistema de governo, com as suas liberdades e garantias para a imprensa, que é falso. A subversão surge aqui: algo é falso porque nos querem enganar. “'Eles’ acham que nos enganam, mas não enganam. ‘Nós’ sabemos que tudo o que eles dizem são fake news...”

Em quarto e último lugar, as fake news estão para durar porque são uma forma poderosa de manipulação da opinião pública. Isto é assim quer para as notícias fabricadas de forma intencional, quer para a descredibilização de notícias incómodas através do questionamento da sua veracidade. O poder das fake news reside em lançar a dúvida sobre a ideia de verdade. Uma vez minada a confiança na verdade dos factos, tudo é possível. Quanto mais se acredita em notícias falsas, menos se crê nos canais de informação estabelecidos. Numa altura em que os dados de informação pessoal se tornaram num bem transaccionável tão valioso como o petróleo, isto torna o poder das fake news uma arma política apetecível.

O que se pode, então, fazer para contrariar esta espiral de suspeição?

Antes de mais, vamos ter de aprender a viver com fake news. Isto vai obrigar-nos a deixar de acreditar que a verdade é algo fácil de determinar. Mas significa também começar a olhar para o mundo com novos olhos. Duvidar de tudo implica duvidar da própria dúvida radical. Porque não recomeçar a acreditar, ainda que em novos termos? Afinal, nem tudo pode ser mentira. Tem de haver um fundo de verdade mesmo na fabricação mais elaborada. Talvez tenhamos que nos contentar com uma noção de verdade mais modesta. Uma verdade mais difícil de alcançar porque os cinzentos são tantos que se torna difícil perceber onde começa o branco ou termina o negro. Uma verdade sempre provisória porque sempre passível de ser desmentida. Mas, ainda assim, uma verdade que não se confunde com uma mentira.

Voltar a acreditar não é apenas possível, mas necessário. Da mesma forma que o New York Times tem respondido a Trump com mais verdade e mais factos, é sempre possível contrariar a espiral de suspeição. Vai convencer quem prefere acreditar nas fake news de Trump? Não. Mas vai continuar a iluminar a diferença entre verdade e mentira.

Embora importantes, não chega termos instituições fortes e credíveis. É necessário cultivar entre a população, sobretudo entre os mais jovens, a arte de destrinçar o trigo do joio. Num tempo em que somos bombardeados com informação das mais diferentes fontes, é importante ensinar os mais novos que nem tudo o que luz é ouro. E que uma vez escolhida a fonte de informação, é, ainda assim, necessário continuar a duvidar. O que aconteceu no referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, um país com uma tradição jornalística ímpar, é demasiado sinistro para baixarmos a guarda. Mas a verdade é que é preciso continuar a duvidar para podermos acreditar em alguma coisa.

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