Um requerimento com palavras a mais

Tancos tornou-se num campo de minas da política e do regime. Qualquer passo em falso produz mais danos que virtudes. Esta segunda-feira, Rui Rio deu um desses passos.

A campanha eleitoral parecia condenada a ser uma campanha sem casos até que Tancos irrompeu na actualidade e transformou a temporada numa campanha do caso. Acabaram as contas de Centeno ou os cartazes com graça da Iniciativa Liberal: quando o PSD pede ao Parlamento uma reunião de urgência por “suspeita da conivência do primeiro-ministro” na encenação criminosa de Tancos, a política deixa o registo da normalidade e entra no caminho perigoso da litigância tribal.

Se, como aqui sempre defendemos, António Costa devia explicações ao país, se, como aqui assinalámos, Rui Rio tinha o dever de as exigir como exigiu, a linguagem que o PSD utilizou esta segunda-feira num pedido oficial ao presidente da Assembleia extravasa as fronteiras que a sensatez estabelece para determinar a relação entre a política e a Justiça.

Rui Rio tinha já dito que era “pouco crível” que António Costa não soubesse da encenação de Tancos. No requerimento, o PSD nota que o alegado desconhecimento do primeiro-ministro “configura uma situação igualmente grave, pois significa que um membro do Governo não avisa o chefe do executivo sobre situações extremamente graves que se passam no seu ministério”. Especular, como Rio fez e o requerimento sublinha, que se Costa sabia é cúmplice e se não sabia é incapaz de gerir um conselho de ministros é um puro exercício de lógica argumentativa.

Dizer que “é pouco crível” que Costa não soubesse é uma observação banal - se um dos seus ministros estava envolvido, não seria “incrível” que Costa pudesse saber. Uma e outra constatação são, por isso, legítimas e pertinentes no contexto de uma campanha.

Entrar na tese do requerimento leva-nos ao campo da especulação perigosa. A suspeita da conivência implica convicções, avaliações de carácter e juízos éticos. Como António Costa não foi sequer ouvido pelo Ministério Público, como reiterou em público que nada sabia, como nada no despacho de acusação o envolve, Rui Rio e o PSD precisavam de outras provas para poderem ir onde chegaram.

Com esta escalada na ofensiva sobre Tancos, o PSD torna-se o íman capaz de captar todo o eleitorado que desconfia ou não gosta do PS, da “geringonça” ou do próprio primeiro-ministro. Mas essa conquista tem custos: porque nos mostra um líder que, embevecido pelo seu próprio sucesso na campanha, quebra a aura da contenção verbal que reclamou para si próprio; e porque transforma o que restava de uma campanha eleitoral civilizada num desesperado duelo de caça aos votos.

Tancos tornou-se ainda mais um campo de minas da política e do regime. Qualquer passo em falso produz mais danos do que virtudes. Esta segunda-feira, Rui Rio deu um desses passos.

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