Violência inédita em Hong Kong em dia de festa em Pequim

Polícia usou balas reais e atingiu um manifestante que ficou gravemente ferido. Território passou a ser um “Estado policial de facto”, diz Joshua Wong.

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Violência em Hong Kong subiu de nível no Dia Nacional da China Reuters/Jorge Silva
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Manifestante no chão depois de ser atingido por uma bala real pela polícia Reuters/Social Media
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Mais de meia centena de feridos, mais de cem detidos e uma cidade em estado de sítio. O Dia Nacional da China, assinalado esta terça-feira com pompa em Pequim, marcou a escalada da violência em Hong Kong, e os pedidos para que sejam adoptadas medidas mais duras para conter a contestação saíram reforçados.

A proibição de manifestações para o dia mais importante do calendário político chinês não impediu que milhares de pessoas voltassem às ruas de Hong Kong. Na verdade, a ausência de um organizador parece ter empurrado os protestos para uma dinâmica caótica, com mais de uma dezena de focos espalhados pela cidade ao longo do dia.

Para além de canhões de água, balas de borracha e gás lacrimogéneo, pela primeira vez, a polícia recorreu a munição real para conter os manifestantes, que também usaram métodos mais violentos. Um estudante de liceu de 18 anos foi atingido à queima-roupa por um polícia e teve de ser submetido a uma cirurgia para retirar a bala alojada perto do ombro. As autoridades lamentaram o incidente e justificaram o disparo com legítima defesa, quando o agente se encontrava rodeado por manifestantes.

“Um agente sentiu que a sua vida estava sob uma grave ameaça e baleou o atacante para salvar a sua própria vida e a dos colegas”, disse a superintendente da polícia, Yolanda Yu, num vídeo publicado no Facebook.

O momento do disparo foi gravado e o vídeo foi publicado nas redes sociais. Nele é possível ver o polícia a disparar a muito curta distância na direcção de um manifestante de cara tapada que segura um bastão. O director do Monitor de Direitos Humanos de Hong Kong, Law Yuk-kai, disse que a resposta do polícia “não foi apropriada”.

A utilização de munições reais pela polícia também foi condenada pelo chefe da diplomacia britânica, Dominic Raab, que a considerou “desproporcional”. O director da Amnistia Internacional em Hong Kong, Tam Man-kei, disse que “os disparos contra um manifestante marcam um desenvolvimento alarmante na resposta da polícia de Hong Kong aos protestos”.

O líder do partido pró-democracia Demosisto, Joshua Wong, disse que, depois dos acontecimentos desta terça-feira, Hong Kong se tornou num “Estado policial de facto” e pediu ao mundo “actos concretos contra este regime brutal”.

Estado de emergência exigido

Do lado dos manifestantes também houve uma subida de tom. Alguns grupos atiraram o que a polícia descreveu como um fluído corrosivo contra agentes e jornalistas, e vandalizaram várias lojas de produtos chineses. Como em protestos anteriores, foram erguidas barricadas para bloquear as ruas e avenidas, e foram incendiados pneus. Edifícios governamentais e estações de metro também foram danificadas pelos manifestantes, e a polícia acusou-os de agredir transeuntes.

“A polícia avisa todos os amotinados para que cessem todas as acções ilegais e manifesta a mais forte condenação contra todos os actos violentos”, informou, ao início da noite, a polícia através de um comunicado. As autoridades têm-se referido aos protestos não autorizados como “motins”, o que permite a detenção imediata dos envolvidos.

A jornada violenta deixou pelo menos 66 manifestantes feridos, dois dos quais em estado crítico e outros dois em estado grave, segundo a Autoridade Hospitalar. O responsável máximo pela polícia, Stephen Lo, revelou que 25 agentes foram feridos e mais de 180 pessoas foram detidas “num dos dias mais violentos e caóticos em Hong Kong”. Lo defendeu ainda o uso de balas reais como uma medida “legal e razoável”.

A celebração dos 70 anos da fundação da República Popular da China era encarada como o momento de charneira para definir o futuro do movimento de protesto que há quatro meses paralisa Hong Kong. Na véspera, as autoridades locais tinham proibido as manifestações planeadas por um dos grupos envolvidos na contestação a Pequim, alegando problemas de segurança. Mas poucos acreditavam que a ordem fosse acatada.

Na antecipação dos protestos, a polícia tinha dramatizado. “Com a subida da intensidade e da extensão da violência nos últimos três meses, há sinais aparentes que a violência extrema irá subir de intensidade no futuro próximo. Todos os actos estão cada vez mais próximos de terrorismo”, disse o superintendente chefe da polícia, John Tse, na véspera.

A profecia de Tse parece ter sido concretizada. Os protestos entraram numa dinâmica de violência difícil de escapar, em que cada degrau de repressão escalado pela polícia é respondido de forma ainda mais agressiva pelos manifestantes. As associações de estudantes pediram a convocatória de uma greve geral já para esta quarta-feira.

Perante o cenário caótico em Hong Kong, voltaram a surgir as vozes que exigem medidas mais duras por parte do governo local para pôr fim aos confrontos. O principal partido pró-Pequim, a Aliança Democrática para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong, pediu a aplicação do estado de emergência no território.

No mesmo sentido, o deputado Junius Ho também criticou duramente a acção dos manifestantes. “O meu gabinete foi atacado por vândalos pela terceira vez. Parece não haver sinal que isto venha a acabar até que o governo se empenhe em apertar o cerco e pedir medidas de emergência”, afirmou o parlamentar pró-China.

Manifestação de força

Se em Hong Kong o caos mandava, em Pequim, a mais de dois mil quilómetros, a ordem reinava. Mais de 15 mil soldados marcharam na Praça Tiananmen, durante as cerimónias coreografadas e planeadas ao milímetro para assinalar o longo caminho que a China fez desde o final da Guerra Civil, quando era um país pobre e destroçado, até aos dias de hoje, em que é a segunda maior economia do mundo. Os festejos tiveram um forte enfoque militar, com a exposição de armamento avançado, como drones hipersónicos e mísseis balísticos de alcance intercontinental.

Os protestos em Hong Kong estiveram ausentes do discurso feito pelo Presidente chinês, Xi Jinping, mas a sua mensagem enviou uma certeza inabalável: “Não há nenhuma força que abale o estatuto desta grande nação.” Vestido com um fato cinzento idêntico aos que Mao Tsetung usava, Xi falou no mesmo local onde o fundador da República Popular da China tinha falado precisamente 70 anos antes quando proclamou a vitória contra os nacionalistas e o nascimento de uma nova nação.

Uma das missões que o Partido Comunista Chinês fixou como desígnio nacional foi a reunificação do país, o que inclui Hong Kong, Macau e Taiwan. Os protestos na antiga colónia britânica que em 1997 passou para a administração chinesa entram em colisão directa com este objectivo.

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