Presidente peruano dissolve Congresso e deputados suspendem-lhe o mandato

Martín Vizcarra acusa a maioria Fujimorista de travar as reformas anti-corrupção e de querer controlar o Tribunal Constitucional para se proteger de processos. Deputados recusam sair do Parlamento e as Forças Armadas já escolheram o seu lado.

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O Presidente disse que chegou a hora de dar a voz aos peruanos sobre a batalha que se arrasta há um ano com a oposição Fujimori Reuters/Peruvian Presidency

O Peru vive a pior crise política das últimas duas décadas. O Presidente peruano, Martín Vizcarra, dissolveu o Congresso e convocou eleições e os deputados responderam com a “suspensão” do chefe de Estado por um ano e nomearam uma presidente interina, a vice-presidente Mercedes Aráoz. A polícia e as forças armadas já reafirmaram a sua lealdade a Vizcarra.

O Congresso, onde a Força Popular, o partido de Keiko Fujimori na oposição, e os seus aliados detém a maioria, pretendia controlar o Tribunal Constitucional nomeando seis dos sete juízes - estando os magistrados indicados envolvidos em casos de corrupção. Numa entrevista no domingo, Vizcarra avisou os deputados que se insistissem nas nomeações, contra a sua vontade, dissolveria o Congresso.

Os deputados não gostaram do que ouviram e avançaram com a nomeação de um dos seis juízes, recusando, pela segunda vez, debater uma moção do Governo para modificar o processo de nomeação dos juízes. Na noite de segunda-feira, Vizcarra anunciou a dissolução do Congresso, a realização de eleições legislativas a 26 de Janeiro de 2020 e nomeou como primeiro-ministro Vicente Zeballos, que detinha a pasta da Justiça.

“Deixem o povo decidir. A dissolução que ordenei está dentro dos poderes que me são atribuídos pela Constituição”, disse Vizcarra numa declaração ao país. O Presidente recorreu ao artigo 134.º da Constituição de 1993, que lhe permite dissolver o Congresso e convocar eleições quando o órgão legislativo se recusa a considerar dois projectos-lei do mesmo Governo.

Em resposta, os deputados da oposição acusaram o chefe de Estado de ser um “ditador” e de levar a cabo um “golpe de Estado”. “O Presidente Martín Vizcarra anunciou um golpe de Estado”, disse o deputado Salvador Heresi, sublinhando que o Presidente “ficará na História como um ditador”.

Os deputados da oposição (86 em 130) suspenderam o mandato presidencial de Vizcarra por um ano sob o argumento de “incapacidade moral” e nomearam uma substituta, Mercedes Aráoz. E recusam abandonar o edifício do Congresso, estando já agendada para sexta-feira uma sessão plenária para se votar a destituição do Presidente.

A crise constitucional é o escalar de uma guerra entre os poderes executivo e legislativo que se arrasta há um ano, desde que Vizcarra anunciou uma série de reformas anti-corrupção. O Presidente acusa os deputados de usarem tácticas parlamentares para protelar a votação e implementação das suas reformas, protegendo-se de futuras investigações.

“A maioria parlamentar recorreu a uma série de argumentos e truques, destinados a prejudicar não só o Governo mas a sociedade como um todo”, disse Vizcarra.

O Presidente queria evitar que o Tribunal Constitucional fosse dominado por juízes afectos à oposição, que tem vários políticos invesigados por corrupção, entre os quais Keiko Fujimori, filha do antigo Presidente Alberto Fujimori. A oposição teve pressa em alinhar o Constitucional a seu favor uma vez que, esta semana o antigo director da construtora Odebrechet no Peru, Jorge Barata, vai testemunhar, havendo indicadores que dizem que vai denunciar políticos peruanos envolvidos em subornos e financiamento ilegal de campanhas eleitorais, escreve o jornal El País na sua edição para a América Latina.

Os peruanos temem que esta crise possa dar origem a uma longa batalha legal sobre a constitucionalidade das decisões do Presidente e dos deputados e, em última instância, a um embate entre as forças de segurança e os deputados entricheirados no edifício do Parlamento, diz a Reuters.

As chefias das Forças Armadas e de segurança emitiram na segunda-feira comunicados a reafirmar a Vizcarra, depois de terem visitado o Presidente.

Vizcarra não tem apenas o controlo dos quartéis. A maioria dos peruanos apoia-o, diz a Reuters, e centenas de pessoas concentraram-se junto ao Congresso para exigir a saída dos deputados. As sondagens dizem que os deputados são das figuras mais impopulares num país onde os escândalos de corrupção têm dominado o cenário político.

Vizcarra, que era vice-presidente, chegou à chefia do Estado depois do Presidente Pedro Pablo Kuczynski se ter visto envolvido num escândalo de corrupção também ligado à Odebrecht e ter sido obrigado a renunciar. Para se proteger de acusações e críticas, Vizcarra fez do combate à corrupção a missão do seu mandato, entrando rapidamente em choque com o Congresso.

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