Eleições 2019 – Prometer conforme as esperanças?

Perante isto, é legitimo perguntar: será que no dia 6 de outubro vamos votar em programas políticos irrealizáveis?

Até à entrada de Portugal na CEE, a discussão da política macroeconómica era tema central de qualquer campanha eleitoral. Os desafios que se colocavam a uma pequena economia aberta como era a economia portuguesa obrigavam a que se desse uma particular atenção a essa matéria, nomeadamente no que respeita à conciliação entre instrumentos e objetivos de política económica.

Na realidade, para atingir um nível elevado de crescimento económico, baixas taxas de desemprego, estabilidade de preços, défice público baixo, dívida pública sustentável, equilíbrio da Balança de Pagamentos e da Balança Comercial e estabilidade cambial Portugal “teria” à sua disposição um conjunto de políticas: política orçamental e fiscal, política monetária, política de rendimentos, política comercial e política cambial.

Com a entrada de Portugal na CEE e, em particular, a partir da integração na União Económica e Monetária (UEM), a discussão da política macroeconómica no quadro de eleições nacionais ficou particularmente limitada, na medida em que parte dos instrumentos de política disponíveis deixaram de estar sob intervenção direta das autoridades portuguesas. Acresce que a utilização dos instrumentos de política disponíveis (i.e., política orçamental e fiscal e política de rendimentos) passou a estar fortemente condicionada por fatores externos, nomeadamente os que resultam do Tratado Orçamental.

Apesar destas profundas alterações, a reconfiguração da relação entre instrumentos e objetivos de política económica no quadro da UEM parece estar omissa na generalidade dos programas eleitorais apresentados, com exceção dos partidos mais à esquerda: o PCP defende o desmantelamento da UEM “visando a recuperação de instrumentos centrais de um Estado Soberano (monetário, orçamental e cambial)”, enquanto o BE defende, entre outras, a autonomia total de Portugal no que respeita à União Bancária; a eliminação das regras do mercado interno que “condicionam a política industrial dos Estados-membros”; e a desvinculação do Tratado Orçamental.  

Assim, se nos partidos mais à esquerda a posição relativamente à UEM fica evidente (ainda que nada seja dito sobre a forma de a concretizar), no caso dos restantes partidos (que deveriam fazer o contraponto) nem sempre fica claro o posicionamento, nomeadamente no que se refere a uma maior coordenação das políticas europeias, tampouco sobre o aprofundamento da governação da zona euro, ficando assim por esclarecer um conjunto de questões: é possível manter uma União Económica e Monetária sem uma política orçamental comum? Como seria financiado esse orçamento comum? E como conciliar uma política orçamental comum com as autonomias nacionais?

Um outro aspeto omisso nos programas prende-se com a deterioração do contexto económico-político internacional e os riscos daí resultantes (segundo o relatório da OCDE, divulgado a 19 de setembro, “the global economy has become increasingly fragile and uncertain, with growth slowing and downside risks continuing to mount”).

Na realidade, pouco se diz sobre o potencial impacto económico resultante do quadro de incerteza internacional. Qual o impacto de um eventual “Brexit”? Quais as consequências da “guerra comercial” em curso? Como se comportará a economia portuguesa e, consequentemente, as contas públicas, num quadro de abrandamento da economia mundial? Em que medida as propostas apresentadas ficam comprometidas? E que medidas alternativas seriam adotadas?

PÚBLICO -
Aumentar
PÚBLICO -
Aumentar

Refira-se que, do ponto de vista macroeconómico, alguns dos programas políticos parecem ter implícito um Portugal que vive isolado do resto do mundo e cuja política económica (a pouca que lhe resta) não está condicionada a fatores externos que não controla, tampouco aos compromissos internacionais que assumiu.

Neste contexto, será possível a “manutenção de um saldo primário de cerca de 3% do PIB” e “reduzir a dívida pública para próximo dos 100% do PIB no final da legislatura” (PS)? Ou poderemos assegurar a “desvinculação do país do Tratado Orçamental” (BE)? Ou a “renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes” (PCP)? Ou poderemos “baixar em 15% a taxa efetiva média de IRS dos portugueses até 2023” (CDS)? Ou ainda, ter uma “dívida pública abaixo dos 90%, a médio prazo” (PSD)?

Em resumo, os programas eleitorais que foram apresentados aos portugueses parecem não atender ao complexo contexto político-económico internacional, reforçando mais uma vez a ideia de que “prometemos conforme as esperanças e agimos conforme o medo”.

E perante isto, é legitimo perguntar: será que no dia 6 de outubro vamos votar em programas políticos irrealizáveis?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar