PS: Abriu a época da caça ao voto à esquerda

Socialistas diabolizam o Bloco de Esquerda. Augusto Santos Silva defendeu a necessidade de impedir o “poder desmedido e a influência desmesurada” do BE.

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Augusto Santos Silva marcou o dia do PS Francisco Romão Pereira

Não era propriamente uma intenção escondida mas, a meio da campanha, o PS começou a tirar da cartola os argumentos mais dramáticos para um apelo ao voto útil no PS, em detrimento do Bloco de Esquerda, o nome nunca pronunciado. Os socialistas viram em Rui Rio uma possibilidade para uma bipolarização e para uma tensão na campanha, com ataques e contra-ataques, com críticas e acusações, mas é também ao BE que pretendem atingir.

O PS quer mostrar-se como o ponto de “equilíbrio” para captar votos de centro-direita e encostar os bloquistas à ideia de instabilidade. Coube a Santos Silva abrir as portas para os socialistas se lançarem na caça ao voto à esquerda e António Costa entrou na senda, acenando com o “diabo” que seria uma solução “sem o PS”. “Sem o PS, esta solução tinha durado quatro anos? Ninguém acredita que isso fosse possível”, disse num almoço em Matosinhos.

António Costa tem referido várias vezes ao longo desta primeira semana de campanha que só há um partido sinónimo de “estabilidade” e esse partido é o PS. Volta e meia fala dos “riscos” que o país correria se não houvesse tal estabilidade governativa. No sábado à noite, em Guimarães, chegou a dizer, em tom de aviso: “Pensem bem se vale a pena pôr em risco o que foi alcançado”.

As sondagens mostram que à esquerda foram o PS e o BE a capitalizar com a solução de Governo nos últimos quatro anos, com os bloquistas sempre acima dos dois dígitos nas intenções de voto. E um crescimento “desmedido” do partido de Catarina Martins assusta os socialistas que, ao mesmo tempo, usam esse crescimento para acenar com uma possível ingovernabilidade do país. 

Não é sequer preciso uma interpretação política, basta ler e ouvir o que disse o número dois do Governo, Augusto Santos Silva. O socialista é defensor de um “Governo só do PS” com a continuação de “diálogo à esquerda”, sem mencionar a necessidade de acordos ou entendimentos. Na prática, um governo à Guterres, falando com uns ou com outros conforme a necessidade de sobrevivência. Essa frase dita de passagem não escondeu a mensagem principal que era avisar para o perigo de um governo saído das eleições ficar nas mãos do Bloco. “Não podem ter um poder desmedido, uma influência desmesurada na próxima legislatura”.

O diabo mora ao lado

O exemplo do diabo mora logo aqui ao lado, em Espanha. O país está outra vez à beira de eleições porque o peso do Podemos (partido congénere do BE) impediu um acordo para que o PSOE (partido irmão do PS) formasse governo. Este é o exemplo que António Costa vai referindo, sem dar o passo de falar directamente do Bloco. Já Santos Silva torna a comparação mais directa, aponta às canelas do BE, remetendo-o para o canto dos partidos sem “moderação”. “Quando os socialistas não têm a força necessária, quando as forças que não têm moderação e equilíbrio em relação à Europa têm uma força desmedida, não há estabilidade política, as condições de vida pioram e a vida torna-se mais difícil para as pessoas”, afirmou.

O BE aparece como o “empecilho” - como disse uma vez um vice-presidente da bancada socialista, Carlos Pereira - nesta equação que pretende garantir a estabilidade política, não só porque é o BE que cresce nas sondagens como também porque já mostrou intenção de querer ir para o Governo - ao contrário do PCP. Ainda esta semana, um socialista confidenciava ao PÚBLICO que os ataques iniciais de Costa ao BE, entretanto em stand by, tinham como intenção “controlar os ímpetos” daquele partido em ir para o Governo. 

Os “ímpetos” são agora controlados não por ataques ou críticas directas, mas por comparação Se o PS está no pólo dos adjectivos positivos, o BE, estará nos negativos. Se o PS é a “estabilidade”, ao BE (sem que o nome seja dito) é associado o rótulo de tudo o que é instável, inseguro, irresponsável. “Só o PS consegue conjugar a ambição de ir mais longe com a responsabilidade de nunca dar um passo maior do que a perna para que não tropecemos nem tenhamos de voltar para trás”, defendeu Costa. 

Alguém falou em diabo? O diabo aparece nas entrelinhas, no que significaria ter de recuar em políticas que levam à geração de emprego, por exemplo, e aí só o PS o pôde fazer “sem que o diabo tivesse assustado aqueles que investem e permitem criar mais riqueza e emprego”, disse o secretário-geral do PS.

Por estes dias, António Costa, que não pede maiorias mas o voto no PS para quem quer “um Governo do PS”, deixa correr a mensagem de que mais vale uma “maioria de valor reforçado” socialista, como lhe chamou Carlos César, do que os socialistas ficarem amarrados ao BE para governar. 

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