Congresso tory: olhos em Manchester, ouvidos em Londres

Oposição britânica não autorizou suspensão dos trabalhos no Parlamento e pode obrigar deputados e ministros conservadores a correrem para a capital para debater ou votar propostas. Discurso de Johnson em risco.

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Encontro do Partido Conservador em Manchester termina na quarta-feira Reuters/PHIL NOBLE

O primeiro congresso de Boris Johnson como líder do Partido Conservador, que começa este domingo e termina na quarta-feira, em Manchester, no Norte de Inglaterra, vai realizar-se em condições extraordinárias e muito pouco convenientes para um evento político desta importância. A oposição britânica chumbou uma moção do Governo para suspender a actividade parlamentar durante três dias, o que pode forçar deputados e ministros a abandonarem a reunião tory, sob pena de falharem qualquer votação urgente na Câmara dos Comuns.

No pior dos cenários, os tories poderão ser obrigados a realizar várias viagens, no mesmo dia, se quiserem estar presentes em todos os momentos do congresso e cumprir, ao mesmo tempo, com as suas obrigações em Westminster. Basta os partidos da oposição agendarem debates ou votações de carácter urgente para segunda, terça ou quarta-feira – os escoceses do SNP alertaram para uma possível moção de censura – para que os deputados tenham de percorrer os mais de 300 km que separam Manchester de Londres.

Em circunstâncias normais, a Câmara dos Comuns teria aprovado a suspensão dos trabalhos para permitir a participação dos seus membros nos congressos partidários. Mas o Reino Unido não vive tempos normais, às custas do atribulado processo do “Brexit”, e a moção do executivo – que não tem uma maioria parlamentar – para libertar os deputados foi chumbada na quinta-feira, por 306 votos contra 289.

A oposição não perdoou os planos do Governo para tentar manter o Parlamento encerrado durante mais de um mês “num período de grave crise constitucional” – encarou-a como uma jogada dos conservadores para lhe retirar tempo de trabalho na batalha legislativa contra a saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo. 

E depois de Johnson não se ter mostrado arrependido pelo facto de o Supremo Tribunal ter declarado a sua acção “ilegal” e “sem efeito”, os líderes da oposição não quiseram dar ao seu partido outra oportunidade para “fugir ao escrutínio do Parlamento”.

A situação mais insólita destas restrições logísticas pode afectar o próprio Boris Johnson, que tem previsto encerrar o congresso com um discurso na quarta-feira, no mesmo dia em que tem de estar no Parlamento para a habitual sessão plenária de perguntas e respostas ao primeiro-ministro.

Depois de, num primeiro momento, ter garantido que Johnson iria estar presente nos dois eventos, Downing Street admite agora dar primazia ao congresso, indicando um ministro ou um secretário de Estado para responder aos deputados. Outra possibilidade é o primeiro-ministro antecipar o discurso para segunda, terça-feira ou até para este domingo.

Em Manchester chegou-se a temer o cancelamento do congresso, um cenário que, entre reservas de hotéis e de espaços para reuniões, expectativas do sector da restauração e do entretenimento e toda a contratação de serviços efectuada pelo Partido Conservador, privaria a economia cidade de um encaixe financeiro calculado na ordem dos 32 milhões de libras (cerca de 36 milhões de euros).

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