Último pacote de medidas de Draghi revela divisão crescente no BCE

Demissão de Sabine Lautenschlaeger é o último episódio numa tendência cada vez mais acentuada de diferenças de opinião dentro do conselho de governadores do banco central

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Mario Draghi FRANÇOIS LENOIR/REUTERS

A existência de divergências de opinião entre os membros do conselho de governadores relativamente à política seguida pelo Banco Central Europeu sempre foi uma evidência ao longo de toda a presidência de Mario Draghi, mas a decisão, a um mês do final do mandato do presidente, de reiniciar o programa de compra de dívida pública lançou o clima de divisão na autoridade monetária para um novo patamar. Um problema que Christine Lagarde irá ter de enfrentar.

Logo nas semanas anteriores ao anúncio do novo pacote de estímulos, vários governadores – provenientes não só da Alemanha e da Holanda, como é hábito, mas também da França – já tinham demonstrado o seu cepticismo em relação à decisão de o BCE voltar a comprar dívida pública dos países da zona euro, uma medida que tinha terminado no final de 2018.

E agora, nas semanas a seguir à decisão, que Draghi disse ter sido tomada por uma “larga maioria”, o tom das críticas não se reduziu, tendo-se tornado ainda mais clara a existência de divisões profundas dentro do BCE.

Depois de diversos governadores terem feito declarações contra a decisão que tinha sido tomada pelo conselho, o sinal mais recente de divisões foi o anúncio de demissão da alemã Sabine Lautenschlaeger, um dos seis elementos que compõem o conselho executivo do BCE e que, não sendo governadores dos bancos centrais, também têm direito de voto nas decisões tomadas pelo banco central.

Sabine Lautenschlaeger apenas terminaria o seu mandato dentro de dois anos e, embora não tenha sido apresentado nenhum motivo oficial para a saída antecipada, o facto de o anúncio ter sido feito nesta altura está a ser associado à conhecida oposição desta economista ao programa de compra de dívida pública do BCE.

Na Alemanha, as compras de dívida do BCE são vistos, por uma maioria de economistas e responsáveis políticos, como um apoio ilegítimo do banco central às finanças públicas dos Estados, existindo o receio de que se estejam a estimular comportamentos irresponsáveis por parte dos governos. Também a descida das taxas de juro, pelo efeito negativo que têm para os aforradores são alvo de críticas ferozes na Alemanha, tendo o jornal Bild, o mais vendido do país, apelidado o presidente de BCE de “Conde Draghila” na primeira página da sua edição do dia a seguir às últimas decisões do banco.

O governador do banco central alemão, Jens Weidmann tem, ao longo dos últimos anos, estado muito frequentemente entre os opositores das decisões tomadas pelo BCE, algo que lhe retirou quaisquer possibilidades de suceder a Draghi na liderança. E no passado, outros representantes alemães no conselho executivo, como Axel Weber e Juergen Stark, fizeram o mesmo que Sabine Lautenschlaeger agora fez.

Desta vez, talvez pelo facto de o programa de compras ter sido retomado dez meses depois de ter sido interrompido e de não ter sido definido um prazo para a sua conclusão, a oposição parece ir mais além dos habituais opositores vindos da Alemanha, Holanda ou Finlândia. Em particular, o facto de o banco central francês se juntar a este grupo dá à oposição uma força que antes não tinha.

Este será certamente um dos problemas que Christine Lagarde – que já afirmou diversas vezes o seu apoio à políticas seguidas pelo BCE durante a presidência de Draghi – terá de enfrentar quando assumir a liderança.

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