Joana Gama leva para o palco uma casa de som desenhada por Vítor Rua

Home Sweet Sound estreia-se este sábado em Vila do Conde, encerrando o 15.º Circular com a história de um dia na vida de uma pianista.

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NELSON GARRIDO
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O som de um metrónomo marca o tempo. No centro do palco, uma luz aponta para o vulto de uma mulher que acaba de despertar do sono. Acorda para mais um dia desenhado para não ser muito diferente dos outros. Ainda nos primeiros momentos de uma nova jornada, mantém-se na mesma posição até sair do estado letárgico em que ainda se encontra. Lentamente vai abandonando a postura fetal para aos poucos interagir com o que a rodeia. Esconde-se debaixo de um piano, ao seu redor há uma série de baquetas pousadas no chão.

Uma a uma, vai batendo com as baquetas no corpo do piano para deixar reverberar o som das cordas nos espaços entre batimentos. Num movimento coordenado, levanta-se e dirige-se à mesa onde está o metrónomo para o desligar e para trocar o tiquetaque do marcador de tempo pelo som de uma melódica, que a acompanha até se sentar frente às teclas do piano.

O vulto é o da pianista Joana Gama e este excerto faz parte da peça Home Sweet Sound, composta por Vítor Rua, que terá a sua estreia este sábado no Salão Nobre do Teatro Municipal de Vila do Conde, encerrando a 15.ª edição do Circular –​ Festival de Artes Performativas.

Frente às teclas, a pianista entra em modo multifunções. Com a mão direita vai insistindo em notas de piano mais agudas marteladas repetidamente. Com a esquerda, num movimento fluido, quase imperceptível a quem assiste, acciona um sintetizador que deixa sair uma linha electrónica de texturas sonoras, base para uma frase minimal num piano entre extremos de notas mais altas e mais graves. Progressivamente o sintetizador ganha vida própria e escolhe outra direcção para se separar de um piano que vai subindo de intensidade. Este momento termina com nota suspensa, mas só para nós. O ensaio a que assistimos, um dia antes da estreia, dura apenas 20 minutos; a peça escrita pelo histórico da música experimental portuguesa para esta pianista de formação clássica terá quase uma hora.

Um corpo em palco

Home Sweet Sound põe Joana Gama a protagonizar uma narrativa que comprime em 50 minutos um dia da vida de uma pianista. O palco é apenas dela, que além do piano tem de gerir cinco sintetizadores e um teremin. Desta vez, Vítor Rua não acumula a composição com a interpretação. 

A peça materializa a vontade que os dois intérpretes e compositores tinham de trabalhar juntos. Há um par de anos, quando a pianista estava em processo de investigação para a sua tese de doutoramento sobre música contemporânea portuguesa para piano, que concluiu em 2017 em Évora, descobriu que na vasta discografia de Rua existiam composições para piano editadas nos anos 1990. Acabou por não as incluir na tese, mas o trabalho de pesquisa não foi em vão. Ficaram em contacto desde então.

Pouco tempo depois, Vítor Rua já tinha uma peça preparada para Joana Gama. O plano punha-se em marcha – só não havia data nem local para apresentarem a peça. No último Verão juntaram-se numa residência artística no Musibéria, em Serpa, e puseram mãos à obra. Conta-nos o compositor que não sobrou um segundo do primeiro esboço. Tinham um trabalho novo em mãos, mas com o mesmo conceito. Joana Gama já tinha então recebido um convite do Circular para participar na edição deste ano com um dos seus projectos, o que resolvia a questão da data e do local para a estreia. 

Nesta nova proposta, a pianista bracarense entrega-se a uma performance mais corporal. Não é a primeira vez que o faz – desde 2007, com Danza Ricercata, de Tânia Carvalho, que está à vontade com essa faceta. Tal como está à vontade com parcerias que a afastem da sua área de formação. Vem-se movendo entre a memória da música contemporânea portuguesa e Erik Satie, e há anos que se aventura pela electrónica com Luís Fernandes.

Agora, em Home Sweet Sound, explora o espaço e os vários instrumentos que executa em palco. Do movimento também nasce som – algumas vezes de forma imprevista. Tudo é aproveitado para enriquecer a narrativa. Porém, assegura Vítor Rua: “Aqui o improviso nasce do imprevisto. Apesar de tudo fluir com naturalidade, até os momentos de movimento estão na partitura.”

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