Tancos: ainda há muito por esclarecer

Evitar uma campanha de suspeitas, ou de manobras sórdidas para espalhar culpas por São Bento ou por Belém é crucial para a credibilidade da política, para o esclarecimento dos cidadãos e para o interesse do Estado.

Em Outubro de 2018 o primeiro-ministro deixava no ar uma espécie de profecia. “Um dia haveremos de saber o que é que cada um sabia sobre esta história de Tancos”, dizia António Costa. Esse dia foi esta quinta-feira, quando o Ministério Público divulgou o seu despacho de acusação a 23 pessoas, entre as quais altas figuras das Forças Armadas e o ex-ministro Azeredo Lopes. Nesse dia, haja ou não haja condenações, ficou provado que um assalto de criminosos de pacotilha destinado a entrar no anedotário nacional deu origem a uma grave crise de regime. Meter no mesmo saco armas, mentiras e jogos de poder e acrescentar à história manobras de intoxicação envolvendo o Presidente da República é um sintoma grave de degenerescência dos assuntos públicos.  

O rebentamento de uma mina com este potencial explosivo a escassos dias das eleições pode influenciar os resultados, o Governo deve explicações ao país sobre o que aconteceu. Não se trata de ceder ao populismo especulativo para insinuar que se o ministro sabia o chefe do Governo também sabia ou devia saber – todos os factos que conhecemos sugerem o contrário. Trata-se, sim, de saber como foi possível um membro do Governo ocultar informação sensível que, acusa a procuradoria, tinha acumulado sobre a encenação de Tancos entre o final do Verão de 2017 e Dezembro de 2018. Com o país a indignar-se com o roubo das armas e a indignar-se ainda mais quando soube do deplorável drama da encenação da sua “descoberta”, é fundamental saber como foi possível o Conselho de Ministros andar um ano a conviver com uma mentira. E saber também o que perguntou o primeiro-ministro ao seu ministro sobre o caso e que respostas lhe foram dadas.

Rui Rio faz estas perguntas num claro aproveitamento do momento político, mas não é o único a fazê-las. Mesmo que a Justiça e a comissão parlamentar de inquérito tenham afastado qualquer nível de suspeição sobre o primeiro-ministro, uma campanha que não reflectisse a gravidade da acusação da procuradoria seria uma campanha censurada e amputada. Porque não estamos a falar de assuntos sob reserva pessoal. Falamos de assuntos de Estado. Evitar uma campanha de suspeitas, ou de manobras sórdidas para espalhar culpas por São Bento ou por Belém é crucial para o esclarecimento dos cidadãos e para o interesse do Estado. Quer o PS queira, quer não, tem nas mãos uma grave crise política que, se não for atacada, causará mais danos ao partido do que um sincero esforço de esclarecimento. A bem do país, a lamentável história de Tancos não pode tolerar mais silêncios.

   

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