Legalizar a corrupção: uma urgência

Só quem nunca esteve numa posição de responsabilidade é que se pode dar ao luxo de não ter cometido actos que podem, eventualmente, ter ultrapassado a fronteira da legalidade. Só é corrupto quem arrisca fazer.

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FRANCISCO ROMAO PEREIRA

Um escândalo é o melhor que pode acontecer numa campanha eleitoral. Permite aos adversários do partido envolvido no escândalo não terem de responder a questões difíceis sobre as suas ideias e permite ao partido envolvido num escândalo ter uma desculpa para o caso de as eleições correrem mal. A campanha eleitoral deixa de ser um debate entre diferentes propostas para o país e passa a ser um concurso de “quem é o menos corrupto?” Os adversários do partido envolvido num escândalo podem mostrar indignação perante a falta de princípios e imoralidade dos seus adversários, ostentando uma honestidade inabalável, porque os escândalos em que estiveram envolvidos não estão nas notícias do dia. Os que estão envolvidos no escândalo têm uma oportunidade de introduzir na discussão escândalos dos seus adversários, num festival de “whataboutismo” nostálgico, uma espécie de “Perdidos e Achados” de processos judiciais que não deram em nada.

E há para todos os gostos. No PS, há o caso dos familiares, o “Galpgate” e essa quimera de todos os escândalos que é o Eng. Sócrates. Eu não sou “socratólogo” como o Dr. João Miguel Tavares mas, assim de memória, lembro-me do Freeport, da universidade Independente, da casa de Paris e da crise das dívidas soberanas. Para o PSD há a Tecnoforma, o curso do Dr. Relvas ou o percurso pós-governativo de uns quantos ministros e secretários de Estado do Dr. Cavaco, que nos trouxe hits como o BPN ou Lusoponte. No caso do CDS temos dois tipos de árvores, sobreiros e eucaliptos, dois tipos de meio de transporte, submarinos e jaguar descapotável, e o mecenato do Dr. Jacinto Leite Capelo Rego. No caso de partidos mais pequenos, é preciso ser um arqueólogo de escândalos e escarafunchar em autarquias para encontrar um ou outro caso de negócios pouco claros. Mas isso também não abona a favor deles. A honestidade é um luxo de quem não está no poder e não tem de tomar decisões difíceis. Quando alguém chega ao governo é inevitável que tenha de sujar as mãos, nem que seja as mãos de um subalterno que pode queimar quando tudo correr mal. Os assessores cumprem um papel importantíssimo na democracia: servem de papel higiénico que os políticos usam para não terem de tocar directamente em objectos sujos.

Só quem nunca esteve numa posição de responsabilidade é que se pode dar ao luxo de não ter cometido actos que podem, eventualmente, ter ultrapassado a fronteira da legalidade. Só é corrupto quem arrisca fazer.

Em Portugal, para se discutir política não é preciso grandes conhecimentos sobre teoria política. Basta enumerar-se escândalos e analisar a qualidade de um político em função da moralidade dos escândalos agregados da sua área política. Esta discussão sobre escândalos leva a uma judicialização da política em que os cidadãos acabam por escolher não os representantes cujas ideias correspondem mais à sua visão da sociedade, mas sim os representantes que lhes parecem menos gatunos. E a honestidade até pode ser uma virtude, mas é possível uma pessoa nunca ter roubado um tostão na vida e ter uma péssima visão sobre economia ou sobre como lidar com refugiados.

A honestidade é a virtude dos incompetentes. Para se ser honesto basta estar-se quieto. Um sociólogo que passe o dia inteiro a olhar para uma parede a pensar em Foucault é extremamente honesto. Votaríamos nele para nos governar? É óbvio que não! Por outro lado, já todos vimos o Ocean’s Eleven e sabemos que um bom ladrão tem de ter uma competência e capacidade de planeamento incríveis. Preferiam ser governados pelo Dr. Danny Ocean ou por esse supra sumo da honestidade que é, por exemplo, um cavalo aleatório?

Mas a verdade é que não devia haver tantos escândalos, porque isso corrói a democracia. Mancha a imagem dos políticos e também dos empresários que se vêem forçados a subornar políticos para poderem fazer avançar a economia no meio de tantas leis e burocracia socialistas. São este tipo de situações que desmotivam os cidadãos e fazem com que estes deixem de acreditar na democracia porque acreditam que todos os políticos são desonestos.

Como referi na minha crónica de ontem, o populismo tem vindo a crescer e uma das razões é esta percepção da desonestidade dos políticos. Mas se, como disse, a corrupção é inevitável para quem tem funções de responsabilidade, como acabar com ela?

É simples: legalizando-a. Se a corrupção for legal ou se não houver leis que punam actos que são considerados corrupção, deixa de haver corrupção e o risco de os políticos aparecerem como corruptos. Hoje em dia, se uma empresa quiser influenciar um político arrisca-se a processos judiciais dispendiosos que acabam inevitavelmente com absolvições. Mas é sempre desagradável, principalmente quando tem de sair à rua.

Daí ser essencial a legalização da corrupção. Um empresário que queira influenciar um político não pode ser forçado a suborná-lo, deve poder fazê-lo de forma legal. Sejamos práticos, corrupção vai existir sempre. Sendo assim, é preferível que seja legal e transparente, sem a necessidade de sacos azuis ou crowdfunding. Basta haver transparência. Assim, poderemos ir a um site e saber quem patrocina que político. Ou então, os políticos que forem patrocinados, por exemplo, pela indústria farmacêutica podem colocar autocolantes com os logotipos dos seus patrocinadores nos fatos para ser ainda mais transparente. Tornam-se pilotos de Fórmula 1, em que o político com mais patrocínios é visto como o mais competente.

É fundamental adaptar a democracia às necessidades das empresas. A ideia de um voto por pessoa é muito bonita, mas tem um problema: é demasiado romântica. Todos sabemos que há pessoas que valem mais do que outras e é importante que a democracia reflita essa realidade. Continuará a haver um voto por pessoa, simplesmente, com a legalização da corrupção, passa a haver uma versão premium da democracia para quem tiver meios. As pessoas podem votar, mas, quem tiver interesse e meios para tal, também poderá comprar um ou outro político de forma legal. E as pessoas deixam de os poder acusar de corrupção porque estão a agir dentro da lei.

Deixa de haver tantos escândalos, é certo, o que torna a campanha eleitoral mais difícil. Mas a imagem dos políticos melhorará substancialmente.

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