Justiça acusa ministro que deputados ilibaram

A comissão parlamentar de inquérito preparou o país para factos inusitados: um paiol militar roubado por pilha-galinhas, como prova a acusação.

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Azeredo Lopes na comissão parlamentar de inquérito Daniel Rocha

A acusação pelo Ministério Público ao ex-ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, pelo processo de Tancos contrasta flagrantemente com algumas das conclusões da comissão parlamentar de inquérito. Entre os deputados, num relatório votado à esquerda, o antigo titular da Defesa foi ilibado.

“Apurou [a comissão parlamentar] que o director da Polícia Judiciária Militar (PJM), em regime de informalidade, tentou implicar o chefe de gabinete do ministro da Defesa Nacional e o chefe da Casa Militar do Presidente da República sobre a forma de investigação tendo em vista a recuperação do material de guerra”, concluíram os deputados em 18 de Junho. As conclusões não foram unânimes e levaram a batalhas políticas.

Pouco mais de três meses depois, a versão da Justiça é diferente. Não só Azeredo Lopes é acusado, como as investigações ao tenente-general João Cordeiro, antigo chefe da Casa Militar do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, levaram à extracção de uma certidão para investigar indícios de crime de falsidade de testemunho.

As discrepâncias entre as conclusões dos abnegados deputados e as acusações divulgadas nesta quinta-feira pelo Ministério Público são, no entanto, normais. O Parlamento não dispõe dos meios de investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária. E opera em âmbito diferente, o das responsabilidades políticas e governativas, e não criminais ou penais.

Com Azeredo Lopes já fora do Governo, a responsabilidade política era inexistente quando foi constituída a comissão de inquérito. No entanto, ficou consagrado no relatório de São Bento que, apesar de o ex-ministro ter conhecimento de ilegalidades da PJM, “não tomou qualquer medida para um cabal esclarecimento da situação”.

Nem os mais críticos dos deputados do Governo de António Costa se atreveram a pensar que o antigo ministro não apenas não foi diligente, como sugerem, mas que foi conivente, como dita a acusação. Os deputados centraram o seu olhar na burocracia ministerial, de registo de entradas e saídas de documentos ou da realização de reuniões, embora algumas sem actas, mas nunca imaginaram encontros na residência privada do ministro com o coronel Luís Vieira, então director-geral da PJM.

“O que eu senti naquela audição foi um ataque feroz por parte do Partido Comunista e um júbilo do CDS e do PSD, estavam a gozar no sentido de denegrir a imagem do PS e do Governo. (…) CDS e PSD estão a puxar isto muito, mas se calhar vai-lhes sair o tiro pela culatra porque eu tenho mails que comprometem, que existe o envolvimento da Casa da Presidência.” Neste relato aos investigadores do acusado major Vasco Brazão, a sua audição de 4 de Abril na comissão de inquérito é a estrela.

A presença perante os deputados, acompanhado pelo seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, serviu, refere, para mandar recados. O que sugere opções futuras quanto à audição parlamentar de arguidos, como era então o caso do major da PJM, em processos em investigação e em segredo de justiça. Ou mesmo de comissões de inquérito paralelas a investigações judiciais. Fazer uma audição à porta fechada, sem jornalistas, não evita o envio dos mesmos recados.

Contudo, as audições da comissão parlamentar de inquérito preparam a opinião pública para não se espantar com a acusação. A falta de condições estruturais dos paióis de Tancos e as múltiplas falhas na sua segurança, o ataque de Joana Marques Vidal à PJM e ao ministro da Defesa já tinham desfilado perante os olhos do país. Não surpreendem, agora, nas mais de 500 páginas do despacho de acusação como condições propiciadoras para cometer um crime, o assalto.

Tal como já era conhecido o desmentido aos deputados dos responsáveis dos serviços de informação e de segurança sobre altos voos de terrorismo internacional como destino do material roubado que as investigações não confirmaram. Afinal, os lucros da venda do material furtado eram para comprar e pôr droga no mercado, e a ETA já desaparecera.

Do mesmo modo, nas declarações do coronel Luís Vieira fora já detectado um mal-estar da PJM com a sua congénere civil, que a acusação detalha, agora, em casos de furtos de armas não solucionados em vários quartéis. Mas nunca ao ponto de justificarem um delito.

E mesmo o ridículo suscitado por algumas respostas de militares aos deputados preparou a opinião pública para o choque desta acusação inusitada, do roubo de um paiol militar por pilha-galinhas. E, certamente, para o julgamento em que Martins Pereira, antigo chefe de gabinete de Azeredo Lopes, Rovisco Duarte, ex-chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), e o então vice-CEME, Campos Serafino, estarão entre as testemunhas. 

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