Silas, o homem que “não papa grupos”

Com a aposta em Silas, o Sporting contratou, sobretudo, uma ideia de jogo. E terá, no banco, alguém que, como jogador, já pegava num campinho para dar instruções aos colegas.

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Silas como treinador do Belenenses SAD Manuel de Almeida/Lusa

“Como costumo dizer, é uma pessoa que não papa grupos”. É desta forma que Marco Bicho, ex-colega e amigo pessoal de Jorge Silas, define, ao PÚBLICO, o futuro treinador do Sporting. Numa fase em que tantos falam de um clube desorganizado e “à deriva”, talvez “não ir em grupos” [ser astuto, firme e pouco influenciável] seja uma característica importante na escolha de Frederico Varandas.

Formado em Alvalade, foi nessa casa que passou de Jorge Fernandes a Jorge Silas. Para os mais saudosistas adeptos do Sporting, é importante esclarecer que esta alcunha veio de um craque antigo do clube “leonino”. Trata-se de Paulo Silas, um médio internacional brasileiro que passou pelo clube no final da década de 80. Um então jovem Jorge Fernandes gostava, nas brincadeiras de rua, de encarnar o craque Silas. E Silas ficou.

Pegou no campinho e deu as instruções

Dispensado pelo Sporting ainda nos iniciados, Silas mudou-se para o Atlético CP, que ficava perto de casa. Foi lá que cresceu e se tornou uma “pessoa séria e frontal”. “Muito frontal, mesmo. Uma pessoa nada prepotente, mas que não papa grupos”, define Marco Bicho, enquanto Bilro recorda o ex-colega “reservado, equilibrado e ponderado”. “Não é uma pessoa que exteriorize emoções”, acrescenta, ao PÚBLICO, o ex-capitão da União de Leiria.

Como jogador, Silas teve uma carreira rica. Jogou na antiga II Divisão B, pelo Atlético, seguiu para Espanha (Ceuta e Elche), andou pela União de Leiria – pela mão de Mourinho – foi à selecção (cortesia de Scolari), e foi para Inglaterra pelo atractivo financeiro, antes de jogar no Marítimo e no Belenenses europeu de Jorge Jesus.

Aos 34 anos, foi fazer o que ainda não tinha feito: vencer um campeonato profissional. Foi campeão no Chipre e, logo à chegada, não deixou dúvidas de que ali estava um futuro treinador.

“No primeiro jogo, mal ele chegou ao AEL Limassol, o mister falou e saiu do balneário. A seguir veio o Silas, com um mini-campo pequeno, e deu-me umas instruções rápidas de como é que deveria movimentar-me e a diagonal que tinha de fazer quando ele recebia a bola. Foi engraçado, porque tudo o que ele me disse bateu certo”, conta o ex-colega Hélio Roque, ao PÚBLICO.

“Nós falávamos muito e via-se que ele tinha ideias fixas e muito à base do Guardiola. Muitas vezes, alguns queriam falar de futebol, mas ele não aceitava. Só dizia ‘quando quiserem falar de futebol vamos almoçar e, sentados na mesa, falamos sobre futebol. Mas com argumentos e bases. Agora falar só por falar não falo’”.

Sporting contratou uma ideia

O final da carreira de Silas não foi fulgurante, mas foi rico. Como a restante carreira. Aceitou ir ajudar o Atlético que o lançou a escapar à descida de divisão, antes de uma curta aventura na Índia, com Simão Sabrosa e Miguel Garcia. Depois disso, não terminou a carreira no “seu” Sporting, nem sequer numa equipa da I Liga. O final foi feito no Cova da Piedade, no segundo escalão, sendo que, entre a última partida como jogador e a primeira como treinador, no Belenenses, houve, apenas, oito meses.

“Claramente já se via ali treinador. Jogávamos os dois no meio-campo e ele, durante o jogo, fazia leituras incríveis. Já mostrava uma grande leitura de jogo e percebia tudo o que se passava”, conta Marco Bicho. Já Bilro fala das valências do passado como jogador. “A grande qualidade que o ajuda na profissão é a capacidade de avaliar os diferentes jogadores. Ele entende bem o contexto e os timings de intervenção, precisamente por ter sido jogador. Não digo que quem não foi jogador não possa ter sucesso como treinador, mas quem esteve lá dentro e viveu aquilo tem uma noção mais exacta dos timings e formas de intervenção. E o Silas conhece-os”.

No Belenenses SAD, Silas foi, muitas vezes, acusado de ser obcecado com a ideia de construir jogo desde trás. O descalabro no célebre 8-1 sofrido frente ao Sporting, no final da temporada passada, começou com duas perdas de bola da equipa “azul” na primeira fase de construção. Aquela de que o treinador nunca abdicou. Trata-se de alguém com ideias fixas e incapaz de readaptar um plano delineado? Para Marco Bicho, não.

“Conheço-o bem – ainda há três dias almocei com ele – e sei que ele não é de ideias fixas. Até porque pessoas de ideias fixas não evoluem. O que sei é que ele não vai ter medo de impor as suas ideias por estar no Sporting. Não vai ter medo nenhum. Se ele achar que é aquela a ideia certa, vai implementá-la”.

Ainda sem o nível IV de treinador – condição sine qua non para poder dar instruções como técnico principal –, Silas viverá algo semelhante ao que viveu Paulo Bento, em 2005, na altura sem sequer o nível III. E Paulo Bento, à data, tinha como adjunto… Leonel Pontes.

Curiosidades à parte, o certo é que Silas, com maior ou menor liberdade a partir do banco, deverá dar aos “leões” o cunho pessoal. Até porque, tratando-se de um treinador sem resultados expressivos no currículo, o Sporting não contratou um treinador: contratou, sobretudo, uma ideia. E essa deverá vir com Silas.

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