Agarrem-me senão eu mato-o

Qual será a resposta da administração Trump ao ataque ao petróleo saudita? Essa é a questão chave, pois dela depende a escalada ou a resolução do conflito.

Quase duas semanas depois do ataque às instalações petrolíferas da Arábia Saudita, continua incerta a sua origem. Apesar dos rebeldes Houthi terem reivindicado a sua autoria e do Irão ter negado qualquer responsabilidade, a dúvida persiste. Há os que defendem que o ataque partiu do próprio território iraniano, outros que defendem que partiu do norte do Iémen e há mesmo quem ponha a hipótese do Iraque. Para além de toda a incerteza, uma coisa é certa: qualquer que seja origem do ataque, o grau de sofisticação tecnológica e precisão militar da operação, que os rebeldes não possuem, denuncia uma assistência iraniana.

Como é certo, também, que tem um impacto imediato tanto no campo energético como no campo geopolítico. O ataque destruiu, de um só golpe, cerca de 50% da capacidade de produção petrolífera da Arábia Saudita e provocou uma subida de 20% no preço do petróleo. É certo que a economia internacional é hoje menos vulnerável a uma crise do petróleo do que há décadas atrás. Mas como se dizia há dias no FT, “menos vulnerável não quer dizer invulnerável”. Por outro lado, a tensão no Médio Oriente está ao rubro. E um incidente como este, que não é menor, pode transformar-se no rastilho que ateia o incêndio. Na lógica de escalada que parece instalar-se, um simples erro de cálculo nas posições próprias ou de percepção nas intenções do outro pode provocar uma reacção em cadeia. Isto é, desencadear um conflito regional. E é por isso que a resposta é, agora, crucial. 

A Arábia Saudita, líder sunita da região, aliado tradicional dos Estados Unidos, tem sido o apoiante mais entusiástico da administração Trump na sua política de “máxima pressão” sobre o Irão. Como tem desenvolvido, ao mesmo tempo, uma política massiva de investimento militar nas suas Forças Armadas. E ainda assim não conseguiu grande sucesso numa guerra brutal no Iémen. E, mais do que isso, este ataque deixa exposta a sua vulnerabilidade na defesa do território e em particular do seu interesse vital que é a produção de petróleo. Apesar da humilhação, não é provável que tenha interesse em desencadear um conflito militar.

O Irão, o líder xiita, alterou substantivamente a sua posição desde a denúncia unilateral do acordo nuclear pela administração Trump. O acordo de 2015 previa limites estritos ao enriquecimento de urânio em troca do levantamento das sanções económicas, o que o Irão aceitou e ao que parece cumpriu. Isso beneficiou não só a economia iraniana, como reforçou os moderados na política interna e sobretudo integrou o Irão na comunidade internacional. Isto é, evitou derivas radicais. Tudo mudou com a denúncia americana do acordo, em 2018, e a subsequente imposição de “sanções máximas”. As consequências foram imediatas e, progressivamente, evidentes. Redução para metade da exportação de petróleo iraniano, crise nas indústrias derivadas e na economia, reforço dos radicais na política interna e uma lógica de radicalização internacional. Para pressionar os europeus a oferecer linhas de crédito para minimizar as sanções americanas. Mas também para mostrar que tem capacidade para impor danos aos interesses americanos e seus aliados. E tem. São as várias milícias xiitas que apoia e estarão ao seu dispor na Síria e no Iraque, como os Houthis no Iémen, o Hamas na Palestina ou o Hezbolah no Líbano. Quer isto dizer que não interessa ao Irão uma guerra clássica contra a Arábia Saudita e muito menos os Estados Unidos, mas interessa uma guerra assimétrica onde tem clara vantagem na região.

Qual será a resposta da administração Trump? Essa é a questão chave, pois dela depende a escalada ou a resolução do conflito. Para os Estados Unidos, o ataque não afectou só a credibilidade saudita, afectou também a imagem americana como aliado e garante de segurança. É por isso que a decisão de Trump é difícil e a ponderação decisiva: se age, pode desencadear um conflito que em última instância não quer; se não age, pode ser visto como um sinal de fraqueza e uma derrota antecipada. Mas em plena campanha para a eleição de 2020, contará mais a política interna que o interesse nacional. A America first não favorece uma intervenção externa e a opinião pública americana é contrária a um confronto militar com o Irão (57% contra, numa sondagem Harvard CAPS/Harris Poll Survey). O mais provável será a tradicional estratégia de Trump neste tipo de crises: uma escalada na retórica política, que termina num encontro diplomático surpresa. Ou não. Mas sempre sem consequência militar concreta. Isto é, uma estratégia de “agarra-me senão eu mato-o”.

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