Havia 21 mulheres

21 (VINTE E UMA) mulheres foram assassinadas neste ano de 2019. Este é um número e uma data.

As mulheres são 53% da população portuguesa. E são 54 % do total de doutorados; 58% do total de diplomados. São 49% do total da população activa e, também, 49% da população empregada.

As mulheres esperam, hoje, à nascença, viver até aos 83 anos e aos 65 anos esperam viver mais vinte. Têm o primeiro filho, em média, aos 30 anos. Estas são estatísticas.

Em Portugal, em 1974 as mulheres conquistaram o direito ao voto (sem discriminações). Em 1976 a Constituição estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, acabando com as restrições a exercer comércio, a movimentar depósitos bancários, a sair do país, sem autorização do cônjuge. Em 1978 o Código Civil eliminou o conceito de “chefe de família”. Em 1979 foi aprovada a lei de igualdade de tratamento no trabalho. Em 1983, o Código Penal agravou os crimes de maus-tratos entre cônjuges. Estas são datas.

Segundo o último relatório da APAV, 78% das queixas de crimes contra as pessoas são de violência domestica e 86% das vítimas destes crimes são mulheres. Os agressores são, em 49% dos casos, os cônjuges e/ou companheiros e, em 13% dos casos, os ex-companheiros. Estas são outras estatísticas.

21 (VINTE E UMA) mulheres foram assassinadas neste ano de 2019. Este é um número e uma data.

Mas as pessoas não são estatísticas, nem números, nem datas, por isso, vamos aos factos:

As mulheres são as que dizem não, mas querem dizer sim, “só que se estão a fazer difíceis”...

As mulheres são as que “estavam mesmo a pedi-las”, que basta ver o comprimento da saia ou o tamanho do decote. Ou que “estavam mesmo a pedi-las”, também, por andarem na rua, sozinhas, àquela hora da noite...

As mulheres são amargas, porque “lhes falta um homem” (ou, mais precisamente, uma parte específica da anatomia masculina).

As mulheres são “galdérias”, porque se demoraram a conversar com o senhor do talho, ou com o carteiro, ou com o vizinho do terceiro andar.

As mulheres são “desavergonhadas”, porque sorriram, em agradecimento, ao homem que lhes segurou a porta, ou lhes deu passagem, no elevador.

As mulheres são “promíscuas”, porque não são virgens. As mulheres são virgens, porque “ninguém lhes pega”.

As mulheres são “incapazes”, porque não são mães.

As mulheres são “feministas” porque são feias e, desgraçadas, não têm homem. Aliás, “conhecessem elas a dita parte da anatomia masculina, que logo lhes passava o feminismo”...

As mulheres são umas “ingratas”, porque se cansam das tareias e dos insultos e decidem ir embora.

E as tareias e os insultos “até nem eram nada por aí além”, em comparação com a vantagem de terem um homem que as protege!

Um homem que, para as proteger, as persegue. E que, para as proteger, as ameaça. E que, para as proteger, as expõem em público, na sua intimidade mais privada.

E que, para as proteger, as agarra; as estrangula; as esfaqueia; lhes pega fogo; lhes dá um tiro; as atropela; as desfaz com ácido…

E que para as proteger, apenas para as proteger, delas próprias, para as proteger de serem como são, para as proteger de serem mulheres, as MATA.

E há as estatísticas, e os números, e os factos.

E havia vinte e uma vidas e havia vinte e um rostos!

Vinte e uma mulheres: jovens ou menos jovens; mais ou menos escolarizadas ou qualificadas; profissionais ou donas-de-casa.

E havia vinte e uma mulheres que foram filhas e, em muitos casos, que eram mães.

Vinte e uma mulheres que foram crianças e que, se calhar, até sonharam com príncipes encantados.

E havia vinte e uma mulheres que não queriam o desencanto e o desamor.

Vinte e uma pessoas que só queriam ser mulheres.

E havia vinte e uma mulheres que poderiam ter vivido até aos 85 anos …

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