O governo da “desprotecção” civil: como é possível?

É caso para perguntar ao Ministro Eduardo Cabrita se acha que, neste campo, Portugal não carece nem precisa da solidariedade europeia e se pode dar ao luxo de a desperdiçar.

1. É absolutamente incompreensível que o Governo português não tenha aderido ao “novo” Mecanismo de Protecção Civil da União. Foi com surpresa, choque e apreensão que ontem, nas páginas do PÚBLICO, me dei conta desta enorme e inqualificável falha do Governo Costa e, em particular, do seu Ministério da Administração Interna. Como é possível, depois do que passámos com os fogos de 2017 e dos enormes riscos que corremos em 2018 e também em 2019, que o Estado português ignore e se alheie desta iniciativa europeia? Como é possível? Como foi possível? Já aqui o disse, por mais do que uma vez, mas este último desenvolvimento dissipa qualquer dúvida ou prurido: o Governo Costa tem um enorme problema com a protecção civil e, mais abrangentemente, com a segurança de pessoas e de bens. É manifestamente, a par da saúde, o parente pobre – para não dizer, mísero – da sua governação.

2. O que está em causa afinal? A maioria não conhecerá a história, mas ela é fácil de contar. Logo depois dos terríveis incêndios de Pedrógão e antes ainda dos subsequentes e trágicos fogos de Outubro, no debate sobre o estado da União, instei e sugeri ao Presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, que a UE criasse uma verdadeira Força Europeia de Protecção Civil. Os deputados europeus do PSD tinham a firme convicção de que as grandes catástrofes naturais ou ambientais precisavam de uma resposta à escala europeia. Na verdade, diante dos fogos de Junho de 2017, Portugal não podia responder sozinho, tal como a Grécia ou a Suécia não foram capazes de o fazer em 2018. O mecanismo até então existente era de pura cooperação europeia, de natureza quase intergovernamental, sem meios próprios da União, sem recursos financeiros para a aquisição e utilização dos equipamentos, sem formação e treino conjunto das equipas especializadas. Ao que acresce naturalmente que alguns países detêm maior experiência na prevenção e combate aos fogos, outros no acorrer a cheias, inundações, ciclones e tempestades, outros ainda no socorro a terramotos. E que essas “especializações” podiam ser maximizadas e muito mais bem aproveitadas no quadro europeu do que num circuito de pura cooperação bilateral. Foi, por isso, que, antes mesmo da repetição da tragédia em Outubro de 2017, fizemos esta proposta e este apelo à Comissão.

3. Com a eclosão dos incêndios de 15 de Outubro, a Comissão não hesitou mais e resolveu empreender uma reforma total do Mecanismo europeu de Protecção Civil. No quadro do Parlamento Europeu, estive na dianteira dos que, dentro e fora do grupo PPE, ao lado do comissário Styllianides, deram força política a esta iniciativa. E o meu colega José Manuel Fernandes ficou mesmo responsável pela imprescindível dimensão orçamental desta enorme reforma. Gostaríamos até de ter ido mais longe, criando uma verdadeira Força Europeia de Protecção Civil. O que se conseguiu, em todo o caso, foi uma reforma de alto a baixo do Mecanismo, a ponto de se poder dizer que ele representa algo de “novo” (e não uma mera “sofisticação” do quadro de cooperação anteriormente existente). Em suma, nem todos saberão, mas o motivo imediato da criação desta estrutura foram os desastres naturais da floresta portuguesa; mais: os deputados portugueses do PSD tiveram um papel muito relevante neste processo. A partir de Junho de 2019, o Mecanismo ficou operacional, pronto para os Estados que a ele queiram aderir. Para já numa “fase de transição” – uma espécie de fase de instalação – que culminará em 2025 com o funcionamento em pleno de todas as aptidões e capacidades do Mecanismo.

4. Basta olhar para o que foi a preparação da época de fogos de 2019 para detectar os amadorismos, os atrasos e as trapalhadas em que incorreram o Ministério da Administração Interna e seus dependentes. Atente-se na saga da disponibilização dos meios aéreos – helicópteros e aviões – para perceber o grau de incúria e de incompetência a que se chegou. É por isso mesmo que se mostra incompreensível que Portugal – que esteve na origem deste enorme avanço europeu – não tenha aderido e não participe deste Mecanismo. Para além do risco de se poder ver privado das suas vantagens, para os operadores portugueses da área da protecção civil esta é uma enorme perda, uma autêntica oportunidade perdida. É caso para perguntar ao Ministro Eduardo Cabrita se acha que, neste campo, Portugal não carece nem precisa da solidariedade europeia e se pode dar ao luxo de a desperdiçar.

5. Surpreende, espanta e dói ver a leveza e a ligeireza com que as equipas ministeriais do Governo Costa olham para a protecção civil. Não tem sido muito glosado, mas ainda agora o escândalo que levou à demissão do Secretário de Estado ocorre precisamente a respeito de assuntos relacionados com a matéria dos incêndios (sejam as malfadadas “golas”; sejam os concursos para meios). Ora, choca de sobremaneira que um Governo, que passou como passou pelas tragédias de 2017, não tenha a responsabilidade e até o decoro de garantir que nessa área (de prevenção e combate aos fogos) tudo decorre com a máxima transparência, diligência e probidade. Sim, é especialmente alarmante que justamente na área da prevenção e combate aos incêndios assistamos a uma cadeia de promiscuidade entre o interesse público e interesses particulares. E que tenhamos visto o primeiro-ministro e o ministro a darem cobertura e um benefício da dúvida a algo que há meses já se percebia que era sério e complicado.

6. Já nem falo do desempenho do Ministério em sede de sinistralidade rodoviária, com um enorme agravamento em 2018. Também aqui, área crucial para a segurança das pessoas, o laxismo e conformismo do Governo é da ordem do muitíssimo grave. Se atendermos à perda de vidas e de bens nos fogos, ao desgaste e ao risco que correm os profissionais; se atentarmos nas vítimas da estrada, sejam mortos, sejam feridos e incapacitados, não podemos fazer um juízo brando da governação na protecção civil. Como foi possível chegar aqui?

SIM. Dulce Neto. A eleição da primeira mulher para Presidente de um tribunal supremo é um passo relevantíssimo na justiça portuguesa, que não tira, antes exponencia, o mérito de uma juíza de excelência.

NÃO. Polémica racial no Canadá. A forma como um simples disfarce numa festa com dezenas de anos é transformado num gesto agressivo de racismo revela uma total falta de razoabilidade e bom senso.

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