O que nos dão, o que nos tiram e o que queremos

Nós, jovens do presente e do futuro, que iniciamos a nossa vida com uma incerteza profunda sobre o que nos reserva o amanhã, somos secundarizados nos programas eleitorais.

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LUSA/Gregório Cunha

A cada novo ciclo eleitoral, novas promessas são realizadas por quem luta pelo nosso voto. A beleza da democracia reside no poder decisivo da cruz numa simples folha A4. Noutros tempos, a voz de cada um de nós era inexistente, mas os jovens de então lutaram por se fazer ouvir e conseguir uma pequena fracção de poder.

Nós, jovens do presente e do futuro, que iniciamos a nossa vida com uma incerteza profunda sobre o que nos reserva o amanhã, somos secundarizados nos programas eleitorais. Entre défice, impostos e investimento público, pensar no Portugal futuro é algo que dá demasiado trabalho e que os ilustres candidatos não querem fazer. Pensar no futuro de Portugal, no futuro de nós que seremos os próximos médicos, serralheiros, advogados, empresários, domésticos, professores, estivadores, camionistas, políticos, é demasiado inconveniente: obriga a classe política a admitir que não existe um projecto de futuro, uma ideia sobre o que seremos ou queremos ser.

Entre um encolher de ombros, o arrumar de malas ou os inconformistas crónicos, vamo-nos habituando ao que não funciona e perdendo o encanto sobre um futuro que podia ser nosso. Os programas eleitorais focam-se no imediato e no lógico: carga fiscal, investimento público, aumento do salário mínimo e pouco (muito pouco) mais. Esquecem-se que pensar no Portugal de amanhã é construir um projecto político capaz de repensar o território, as cidades entregues ao AirBnb, os transportes que nos fazem pelar de nervos, as empresas que sufocam apesar de quererem inovar e investir, as crianças que teimam em não aparecer, o idoso mais esquecido, o imigrante que chora por não conseguir voltar, a família jovem que cresce, as serras queimadas e que bloqueiam qualquer projecto de jovens agricultores, os incentivos europeus que são sempre entregues aos mesmos, a corrupção que é um cancro que não desaparece e o sistema bancário corroído pela ganância. Pensar em Portugal é decidir entre mais Estado ou menos Estado. Destruir os velhos dogmas e reconstruir o país à imagem de uma Europa que (para variar) está anos-luz à nossa frente.

Já não nos refugiamos nos partidos políticos porque estão corroídos pelo seu próprio veneno. Os movimentos cívicos, criados espontaneamente, servem melhor as nossas necessidades do que qualquer candidato engomado e vestido a rigor. Convenientemente é-lhes vedada a possibilidade de concorrer, a menos que de forma “independente” se agreguem a um dos partidos constituídos, deixando um vazio que se reproduz (maioritariamente) no absentismo às urnas.

Seria bom acreditar que ainda há quem queira pensar o futuro de um Portugal esquecido. Vivemos atónitos e presos a este ciclo vicioso em que, por um lado, queremos agir e participar na construção da sociedade que nos pertence, mas por outro não nos identificamos com nada do que é prometido. Entre programas eleitorais despojados de qualquer utilidade no longo prazo, vão-nos entregando rebuçados com promessas imediatas e coloridas, sem nos avisar que elas de nada nos servem no futuro.

Dão-nos promessas, mas tiram-nos o futuro, os sonhos, a ideia de que amanhã podemos estar melhores. Aquilo que queremos nem é assim tão complexo. Basta-nos a possibilidade de participar (verdadeiramente) no debate e que este não seja entregue aos do costume, que se refugiam em chavões, números e burocracias complexas que servem os seus interesses escondidos. Só queremos um Portugal à medida de todos. Difícil?

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