Sporting, uma crise previsível

Depois de uma pré-época errática, os resultados “leoninos” neste início de temporada estão à vista: não perdia tanto e tão cedo há mais de 40 anos.

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Frederico Varandas, presidente do Sporting Lusa/Mário Cruz
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Bruno Fernandes tem sido dos poucos jogadores do Sporting a fazer a diferença LUSA/MÁRIO CRUZ

Já passou um ano e duas semanas desde que Frederico Varandas foi eleito como presidente do Sporting, depois de vários meses explosivos que incluíram a invasão a Alcochete, as rescisões, a destituição de Bruno de Carvalho, a Comissão de Gestão e as eleições. E já se sabia que a única defesa do clínico feito presidente contra uma nova crise seriam os bons resultados. Mas se a época passada até terminou numa nota bem alta, com a conquista da Taça de Portugal, este início de temporada está a descer a patamares impensáveis, ao nível do pior que já se viu na história do futebol “leonino”.

Oito jogos oficiais deram duas vitórias, dois empates e quatro derrotas, com 12 golos marcados e 17 sofridos. Há mais de 40 anos, desde 1977-78, que os “leões” não perdiam tanto e tão cedo. Outro número que diz muito sobre o momento do Sporting são as duas derrotas caseiras para o campeonato, sofridas de forma consecutiva frente a Rio Ave e Famalicão. Aconteceu apenas pela sexta vez em toda a história do clube (a última tinha sido em 2012-13), sendo que, nas outras quatro vezes, uma das equipas com a qual perdeu foi o Benfica (1971-72 e 2012-13) ou o FC Porto (1990-91, 1995-96, 2008-09).

Este início de época desastroso já significou um título perdido (derrota por 5-0 com o Benfica na Supertaça), uma entrada em falso na Liga Europa (derrota por 3-2 em Eindhoven) e um sétimo lugar no campeonato, no qual já deixou fugir mais pontos (dez) do que aqueles que conquistou (oito). Está mais perto do último classificado, o Desportivo das Aves (três pontos) que do líder Famalicão (16) e dos seus dois rivais históricos, Benfica e FC Porto (ambos com 15). Sofreu golos em todos os jogos oficiais, sendo que quatro deles foram penáltis e dois autogolos.

Há outro número que diz tudo: 93. Foram os golos que Bas Dost marcou nas três épocas completas em que esteve em Alvalade. Podia não ser (e não era) o avançado mais completo do mundo, mas o holandês sabia como meter a bola na baliza. A sua venda ao Eintracht Frankfurt por uns insignificantes sete milhões de euros, acaba por simbolizar a errática gestão do futebol “leonino”. No último dia de mercado, o Sporting contratou três extremos que também poderão, em teoria, jogar como avançados: Bolasie, Jesé e Fernando. Entre os três, nas últimas três épocas, marcaram um total de 20 golos.

Raphinha, que também foi vendido nos últimos dias de mercado, marcou 29 golos nas últimas três épocas e já levava dois em 2019-20 antes de se mudar para o Rennes por 21 milhões de euros. Outra venda com encaixe significativo foi a de Thierry Correia ao Valência, por 12 milhões. Sem ter conseguido vender Bruno Fernandes, Frederico Varandas defendeu a estratégia de mercado do Sporting com a necessidade de cortar nas despesas e encaixar dinheiro, e o presidente “leonino” saberá melhor do que ninguém o estado das finanças do clube e da SAD.

Entre o mercado de Inverno da época passada e o último mercado de Verão, o Sporting contratou 14 jogadores (três deles por empréstimo e um a “custo zero”), gastando um total de 32 milhões. E quantos destes jogadores contratados se podem considerar um sucesso inquestionável? Sendo que ainda será cedo para avaliar alguns deles (Camacho, Vietto, Plata ou Rosier), Renan Ribeiro, que custou 1,1 milhões, tem sido competente na baliza e já ajudou a conquistar duas taças, e Luiz Phellype, comprado por 500 mil euros, tem marcado golos importantes (um total de 10), até porque, neste momento, é o único ponta-de-lança no plantel. Pedro Mendes, o melhor marcador dos sub-23, nem sequer foi inscrito para jogar na Liga e aproveitou a oportunidade europeia para mostrar que podia ser útil. Não houve lugar na lista para o jovem contratado ao Moreirense, mas houve lugar para seis guarda-redes (um deles o italiano Viviano).

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Desde que assumiu a presidência, Varandas já teve quatro treinadores na equipa principal. Herdou José Peseiro da Comissão de Gestão e não demorou muito a despedi-lo. Como não tinha ainda ninguém na calha, passou a pasta ao interino Tiago Fernandes, então nos sub-23, que ocupou o cargo durante três jogos (duas vitórias e um empate) até chegar Marcel Keizer, um holandês que nunca pareceu muito convicto das suas opções, nem muito confortável a lidar com o futebol português – e nem sequer fez aquilo que se esperava de um treinador com experiência de Ajax, apostar na formação. Conquistou duas taças, mas não chegou a ficar um ano no cargo. Varandas voltou a promover um técnico dos sub-23, Leonel Pontes, um antigo adjunto de Paulo Bento que nunca teve grande sucesso como número um.

Talvez a esperança fosse repetir o sucesso que o Benfica teve com Bruno Lage, um interino que saiu melhor que a encomenda, conquistando um título numa época que parecia condenada. Mas Pontes não está a ser o chicote psicológico de que o Sporting precisa. Um empate e duas derrotas indiciam vida curta no cargo para o técnico (que deu treino nesta terça-feira após uma reunião com Varandas e toda a estrutura do futebol), mas, nesta altura, não é só o treinador madeirense que parece estar em causa. É todo o projecto que Varandas tem para o futebol.

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