Uma noite para 50 anos, ou a celebração magna de Patxi Andión

50 anos passados sobre o seu primeiro álbum e a sua estreia em Portugal, o cantor e compositor espanhol Patxi Andión assinalou a efeméride em três salas, em solo absoluto, apresentando ainda o seu mais recente álbum, La Hora Lobicán. Em boa hora.

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Patxi Andión na Aula Magna NUNO FERREIRA SANTOS
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Patxi Andión na Aula Magna NUNO FERREIRA SANTOS
Matthieu Chedid
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Patxi Andión na Aula Magna NUNO FERREIRA SANTOS
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Patxi Andión na Aula Magna NUNO FERREIRA SANTOS
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Ricardo Ribeiro, o primeiro convidado NUNO FERREIRA SANTOS
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Iñigo Andión, filho de Patxi NUNO FERREIRA SANTOS
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Iñigo com o pai NUNO FERREIRA SANTOS
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Patxi Andión na Aula Magna NUNO FERREIRA SANTOS

Quem segue Patxi Andión desde o seu regresso a apresentações regulares em Portugal, isto é, desde Março de 2000, no Coliseu do Porto, graças ao empenho do inestimável Mundo da Canção (1), já o viu e aplaudiu em diferentes palcos e com formações diversas: em trio (como em 2013 e 2017), quarteto (como em 2009 e 2011) ou solo absoluto, como sucedeu em 5 de Novembro de 2014, em Lisboa, no São Jorge, no âmbito do Misty Fest, um concerto arrebatador e emotivo integrado numa digressão de casas cheias (ou quase) em Setúbal, Coimbra, Portimão, Lisboa, Vila do Conde e Aveiro.

Agora, a celebração dos seus 50 anos na música (Retratos, o seu álbum de estreia, data de 1969, ano em que actuou pela primeira vez em Portugal, no programa Zip-Zip, da RTP) associada à promoção do seu mais recente e excelente trabalho, La Hora Lobicán (editado em 2019), prenunciava algo num patamar de maior exigência, já que os arranjos do novo disco exploram sonoridades que soam inseparáveis das próprias canções. Porém, talvez por imperativos técnicos, Patxi apresentou-se em solo absoluto, rodeado das suas guitarras, e foi ele ao longo da noite o acompanhante de si próprio. Quem tiver ouvido o disco, saberá o que isso tem de limitativo. Aliás, desde os primeiros trabalhos que as suas canções vivem, a par da poesia e da música que lhes dão vida, de arranjos e de múltiplos instrumentos (naipes de cordas, sopros, percussões) que as enriquecem de forma nítida. Mas talvez estes concertos tenham sido um intróito para outros que venham a juntar La Hora Lobicán com o álbum que em breve o completará num díptico, Profecía. Se assim for, e se esses concertos tiverem alguns dos excelentes músicos que têm trabalhado com Patxi (como Guillermo McGill, Josemi Garzón ou Daniel García Diego, estes com papel fulcral em La Hora Lobicán), entende-se a opção pelo solo absoluto na digressão actual.

Seja como for, e porque é essa a sua marca, Patxi Andión manteve a fasquia alta nestas apresentações. E em Lisboa, numa Aula Magna confortavelmente preenchida a uns três quartos da sua capacidade, abriu o concerto com o já habitual 33 versos a mi muerte, explicando depois ao público ao que vinha (ele fala em português, e explica-se bem) e cantando quatro canções do primeiro álbum, o tal que completa meio século: A quien corresponda, La Jacinta (que estava proibida nas rádios, mas que ele fazia questão de cantar ao vivo), Canción vieja (uma das que ele compôs para a cantora Mari Trini) ou Rogelio, a que a editora torceu o nariz, à época, por ser demasiado longa. Ao que ele respondeu que era assim “porque canta a realidade; e a realidade não tem tempo.”

Prova disso, saltámos 50 anos. E vieram cinco canções do novo disco, por esta ordem: Que venga el olvido!, Navegar, Creer, Cae la nieve en la hoz del Huécar e La hora lobicán. Para todas elas, aqui em versão nua, restrita às sucessivas guitarras, ele ia dando explicações, contextualizando, contando histórias. Como a que, há muitos anos, numa noite o prendeu ao fado. E ouvimos Minha alma d’amor sedenta, que ele dedicou ao seu autor, o fadista António dos Santos (1919-1993). Continuando no fado, saiu Patxi e entrou Ricardo Ribeiro, que, acompanhado à guitarra e à viola, cantou no jeito que lhe é peculiar Oração (de Carlos Zel) e Olhos estranhos, fazendo depois um dueto com Patxi no fado que este compôs para Ana Moura a partir de um poema de Fernando Pessoa, Vaga, no azul amplo solta (e que incluiu, numa versão sua, em La Hora Lobicán).

Findos os fados, Patxi chamou ao palco o seu filho mais novo, o também cantor e autor Iñigo Andión que, depois de cantar a solo uma canção sua (numa onda mais pop do que a do pai, embora não se afaste tanto assim da chamada canção de texto), fez um dueto com Patxi em Es tan difícil dejar de pensar!, que este gravou em Porvenír (de 2009). Finda a segunda incursão musical com convidados, o palco ficou de novo entregue a Patxi Andión, que, depois de cantar Canela pura e María en el corazón, se agigantou na inesquecível Com toda la mar detrás (portentosa, como sempre) e, à vigésima canção, foi mesmo buscar o 20 aniversário… palabras, que a plateia sublinhou com aplausos.

Por fim, uma canção que ele raramente canta ao vivo mas que passou a cantar depois da morte de Leonard Cohen, em 2016: Oda a Walt Whitman, composta para o disco Poetas en Nueva York (1986), editado pelos 50 anos da morte de Federico García Lorca. Nesse disco (todo ele com canções feitas a partir de poemas de Lorca) participaram, a convite de Cohen, muitos artistas, como Lluis Llach, Angelo Branduardi, Donovan, Paco de Lucía, Moustaki com Theodorakis, Chico Buarque com Fagner, além do próprio Cohen (que abria o disco, com Take this waltz) e de Patxi, que o fechava com esta canção.

Os muitos aplausos “intimaram-no” a voltar ao palco, para mais dois encores. O primeiro com Si yo fuera mujer (do LP El Balcón Abierto, de 1986) e El maestro. E o segundo com a canção que escreveu para o seu pai, também muito aplaudida, Padre. Tudo isto em cerca de duas horas e entre outros dois concertos, em dias consecutivos: Águeda, dia 20; Lisboa, 21; e Porto, 22. O tempo de autografar discos, no hall da Aula Magna, já com muita gente à espera, foi apenas mais um interlúdio nesta azáfama. Que nos trouxe um cantor em plena forma vocal, deixando no ar a promessa de um regresso. Que se espera que seja com o díptico La Hora Lobicán e Profecía, dessa vez com a companhia dos músicos que com ele lhe deram forma. Talvez 2020 seja o ano certo desta celebração, com tudo o que a música de Patxi merece.

1) O regresso do Patxi Andión a Portugal, em 2000, embora organizado pelo Mundo da Canção, que mantinha uma relação de proximidade com o cantor desde a década de 1970, deveu-se a uma iniciativa do Sindicato dos Professores do Norte, que o convidou para o concerto de encerramento do seu 5.º congresso. Segundo lembrou agora ao PÚBLICO António Baldaia, deste sindicato, Patxi Andión ter-lhe-á dito, na ocasião, que o facto de ser um concerto para e com professores apressou este seu regresso. Aqui fica a rectificação. (19/12/2019)

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