Telemóveis na escola: sim ou não?

Talvez devêssemos educar-nos para o uso do telemóvel. Desde a educação familiar até à disciplina de Educação para a Cidadania. Uma questão permanente neste início de ano letivo e não respondida por quem de direito.

Numa época digital a vida retém-se dentro de um pequeno objeto sem o qual a maioria das pessoas dificilmente vive. Graúdos e miúdos têm o telemóvel como parte da própria pele. Mas isentar por completo os telemóveis da escola será no caminho certo?

Como já referi múltiplas vezes, a educação faz-se pelo exemplo e jamais pelo que se diz, pelo que isentar os telemóveis das escolas tornando o seu uso mais ecológico será a medida mais correta? Atenção que o que é ecológico para mim pode não ser para o outro.

Prós e contras se avizinham nesta questão.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e neste caso, em pleno século XXI, criámos a maior das dependências de sempre: a conexão. Ou será que já existia, mas de outra forma? Como seres sociais que somos necessitamos de estar conectados.

Temos, necessitamos, queremos estar sempre conectados com o mundo, com a família, com quem nos rodeia. Esta é uma indústria em evolução constante, assim como o nosso vício.

A proibição do uso de telemóveis pelos alunos dentro do recinto escolar tem vantagens, é verdade. Menos conexão virtual e mais conexão pessoal. Boa! Conseguimos um feito! Reduzir o tempo de exposição ao ecrã e voltarmos a comunicar pela palavra falada e quiçá jogar jogos que na minha época se jogavam. Época fantástica, na qual os pais estavam tranquilamente em casa, enquanto nós brincávamos na rua, dando a volta aos quarteirões sem a mínima preocupação sobre se éramos raptados, assaltados, etc. E o mais interessante é que não tínhamos telemóveis. Ao fim e ao cabo, confiávamos que tudo corria bem. Na pior das hipóteses, ouvíamos um grito da janela em tom de “vem já para casa”! Se caíamos e esfolávamos os joelhos, limpavam-se e continuava a brincadeira. Será que os nossos filhos sabem brincar? Penso que sim, só que adaptados à época em que estamos, com responsabilidade nossa por aquilo a que os habituámos.

Bem... mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e mantemos a egocêntrica necessidade de saber onde param os nossos filhos (com todo o direito, já não vivemos nos anos 80). Atrasamos o processo de criarem asas, mas e se são raptados, e se são assaltados, e se... e se...

Os tempos são diferentes e a exposição aos perigos é maior, pelo que, como pais, sentimos necessidade de nos conectarmos com os nossos filhos. Os telemóveis são proibidos no recinto escolar, sendo recolhidos no início do dia e entregues no final do mesmo por alguém... que assume essa responsabilidade. Então e se o aluno necessita ou quer almoçar em casa, o telemóvel será entregue durante esse período, no qual se encontra fora da escola? Poderá o mesmo ser retido pela escola durante o período de ausência da criança ou jovem? E caso aconteça algo negativo com o aluno, de quem é a responsabilidade? Se está fora do recinto escolar pode usar o telemóvel, correto? Uma questão permanente neste início de ano letivo e não respondida por quem de direito. Quando sai da escola e se desloca até casa, e durante esse período não tem forma de comunicar, como sabemos se está bem? Confiamos... pois, mas se quiser telefonar nem cabines telefónicas há! Quantos de nós já estiveram em circunstâncias de não ter telemóvel e necessitar desesperadamente de uma cabine telefónica e esta não existir?

O telemóvel poderia ser entregue ao aluno nestes períodos ou até se tivesse necessidade de comunicar com a família. Há quem diga que as más notícias não se dão pelo telefone, mas pode haver a necessidade de dizer “mãe, pai, estou bem e gosto de vocês”. Sim, mas isto são lamechices irrelevantes num mundo atual. Podemos guardar para mais tarde dizer “amo-te”. Imprevistos jamais acontecem e temos todo o tempo do mundo, afinal somos ilusoriamente imortais.

Mas atenção, vejamos uma vantagem de não ser permitido telemóvel no recinto escolar (para além do tempo de comunicação verbal). Não se filma o bullying! Ou seja, quando alguém leva uma tareia ou precisa de ajuda, os miúdos e graúdos filmam em vez de atuar. Pode ser que sem telemóvel se reduza o cyberbullying (com toda a certeza) e o bullying ao vivo não seja visto pelos demais. Também é verdade que se não houver telemóveis na escola os professores jamais correm o risco de serem expostos de forma imprópria nas redes sociais. Uma penalização imediata para os alunos que o fazem seria talvez uma ato de exemplo para os outros e assim escusava de pagar o justo pelo pecador.

Talvez devesse ser criado um sistema de recolha logo à entrada, tipo aeroporto, onde também os professores e auxiliares deixariam os telemóveis. Assim temos a educação pelo exemplo, e evitamos situações embaraçosas como por exemplo o filho do professor ligar e este ter que atender porque também é pai ou mãe e humano.

Por outro lado, se alguém necessitar de uma atitude emergente por doença ou acidente, o telemóvel para chamar ajuda só iria atrapalhar. Mais vale ir a correr ao telefone fixo da escola, pois a perda de tempo é irrelevante no que diz respeito à saúde.

Verdade, verdade é que a única vantagem que vejo na isenção dos telemóveis no recinto escolar é a de aumentar a comunicação verbal. O restante deixa-me bastantes dúvidas.

Talvez devêssemos educar-nos para o uso do telemóvel. Desde a educação familiar até à disciplina de Educação para a Cidadania. Explicar, por exemplo, o efeito nefasto da exposição aos ecrãs, assim como os distúrbios de sono causados pela luminosidade do telemóvel durante o período nocturno. Quantos adultos e jovens têm distúrbios do sono devido ao uso do telemóvel até de madrugada? Proibir algo que não cumprimos é no mínimo estranho, quando a maioria das profissões exige exposição aos ecrãs horas a fio. Primeiro deveríamos educar-nos para depois ensinar.

A caixa de recolha dos telemóveis é outro tema impensado. Se o telemóvel se danifica, quem paga? O aluno? O professor? Quem recolheu o telemóvel? A direção da escola? Uma questão ainda não pensada mas que deve ser tratada.

Agora, se não existissem telemóveis, jamais teríamos este desafio da insegurança por parte de todos. Mas eles existem... talvez tenhamos que nos educar. Uma questão a ser refletida por todos.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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