A extenuante palavra Inclusão

Não adianta ter armazenado em armários fechados inúmeros materiais se não formos capazes de tratar todos com dignidade aceitando a diversidade dentro de nós e não porque um decreto a impõe. As barreiras são efetivamente muito mais ideológicas do que físicas.

Assisti recentemente a um vídeo curioso. Alguém filmava um baile nas ruas de Maastricht. Ouvia-se André Rieu e dançava-se valsa. No meio havia um par que também dançava, ela em cadeira de rodas, ele em pé. Esta seria uma daquelas imagens bonitas que se colocam facilmente em qualquer abertura de um colóquio ou congresso sobre Inclusão. As cadeiras de rodas são maioritariamente o símbolo de uma sociedade inclusiva, da inclusão, da boa vontade, daquela máxima “Fomos buscar uma senhora de cadeira de rodas porque estamos muito atentos, somos muito modernos, somos muito inclusivos”.

O mais interessante ao assistir a este vídeo, não foi a senhora a dançar de cadeira de rodas, foi o olhar de quem filmou, foi o “olhar” de quem ali estava. Não houve um único momento onde fosse sentido que aquela situação fosse diferente de todos os outros pares que dançavam. E porque deveria ser?

Porque falamos em Inclusão? Por que é que a Inclusão é quase como uma matéria dada à parte num determinando gabinete a uma determinada hora decretada por pontos e exemplificada num manual? Por que é que quando uma escola tem muitos alunos de cadeira de rodas físicas ou intelectuais se aplaude chamando como exemplo de uma escola inclusiva? Realizam-se passeios, encontros, verbalizam-se palavras de apoio, palmadas nas costas, um leve brilhozinho nos olhos e um certo altruísmo do que está a ser feito, numa certa superioridade ingénua. Numa breve analogia, é como se olhássemos aquele vídeo com setas de néon e câmara sempre assente na senhora de cadeira de rodas. Presa numa determinada jaula transparente.

António Nóvoa escreveu isto em 2005: “As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias, das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio, banalidades. Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem novidade. Uns anunciam o paraíso, outros o caos – a educação das novas gerações é sempre pior que a nossa. Será?! (…) A certeza de conhecer e possuir ‘a solução’ é o caminho mais curto para a ignorância. E não se pode acabar com isto?”

Uma dessas palavras “irritantemente óbvias” é exatamente esta palavra: Inclusão. Partindo desta posição pressupõe-se que existe uma entidade nesta sociedade que “tem o poder” de incluir alguém que está à margem da sociedade. Se a sociedade são “todos”, então voltamos a pressupor que há um “nós” e “os outros”. Uma sociedade de primeira e uma de segunda.

O secretário de Estado da Educação, João Costa, costuma referir, em alguns encontros, uma imagem bastante reveladora desta mentalidade: em duas turmas diferentes havia dois meninos em cadeira de rodas, um em cada turma. Numa simulação de prevenção no caso de um sismo que assistiu numa das turmas um dos colegas agarrava no menino de cadeira de rodas e colocava-o debaixo de uma mesa e ali ficava juntamente com ele. Na outra sala o aluno de cadeira de rodas ficava num espaço distante dos outros a observar os seus colegas enquanto faziam a simulação. O secretário de Estado da Educação perguntou porque estava ele ali, que assim ele podia morrer, ao qual um aluno respondeu. “Não, mas ele não conta”. “Ele não conta…” (Há espaços onde não há óbvios, nem por decreto).

Os argumentos do modus operandi de cada escola relativamente “aos outros” multiplicam-se entre: “A inclusão é impossível”; “Há falta de recursos nas escolas”. Estas são as expressões eternamente repetidas. Havia falta de recursos há dez anos, há falta de recursos hoje, e haverá, certamente, falta de recursos daqui a dez anos. Arrisco dizer que a falta de recursos são maioritariamente humanos e menos materiais. Não adianta ter armazenado em armários fechados inúmeros materiais se não formos capazes de tratar todos com dignidade aceitando a diversidade dentro de nós e não porque um decreto a impõe. As barreiras são efetivamente muito mais ideológicas do que físicas. Este conceito (Inclusão) é frequentemente enviesado e hermeticamente fechado em politicamente corretos. Esbarra em leituras muito próprias e que deturpam o seu sentido, porque, parafraseando Rodolfo Castro, um extraordinário contador de histórias, “Quando lemos uma história a moral não está na história, a moral está em nós”. 

“(…) Quando conseguirmos perceber a diversidade humana não mais haverá lugar à Inclusão, à exclusão, à discriminação. A Escola será um lugar de todos e para todos.” (Rui Proença Garcia)

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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