Denunciou “exploração” de trabalhadores nos barcos do Douro e foi condenado. Mário Ferreira quer condená-lo outra vez

O empresário moveu mais um processo, agora particular, a ex-trabalhador dos barcos de turismo do Douro por difamação após denúncia de más condições de trabalho no sector. As duas partes tentaram acordo, mas sem sucesso. Arguido pode ser condenado pela terceira vez.

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Fernando Veludo/NFACTOS

O ex-funcionário dos barcos de turismo do Douro, Gonçalo Gomes, e Mário Ferreira, proprietário da Douro Azul, não chegaram a acordo no processo por difamação movido pelo segundo contra o antigo maquinista de duas empresas concorrentes do operador do empresário. No início do mês já tinham tentado acertar agulhas, mas sem sucesso. Nesta segunda-feira, as negociações voltaram a não chegar a bom porto, em dia do arranque do julgamento no Juízo Local Criminal do Porto, marcado por uma audiência em que só foi ouvido o arguido que nas redes sociais denunciou vários operadores turísticos do sector por alegadamente funcionarem recorrendo à “exploração” de trabalhadores e espalhando o “medo”.

Este é apenas um de uma mão cheia de processos movidos contra Gonçalo Gomes, condenado em Julho por outra acção da mesma natureza, mas interposta pela empresa de Mário Ferreira. Antes disso tinha já sido condenado pelos mesmos motivos noutro processo movido pela Tomaz do Douro - Empreendimentos Turísticos, Lda., empresa em que foi funcionário. Agora defende-se da acusação pela prática do crime de difamação com publicidade, mas interposta de forma particular pelo proprietário da Douro Azul, que pede ao arguido uma indemnização de 5 mil euros por danos não patrimoniais.

Em causa estão quatro publicações difundidas no seu Facebook pessoal. Os termos usados por Gonçalo Gomes são considerados ofensivos e difamatórios pelo assistente do processo. Numa alusão à participação do investidor no programa de televisão Shark Tank o ex-maquinista escreveu que o “tubarão” cuja actividade empresarial “tresanda a exploração e corrupção (…) não gosta de verdades”.

À juíza, procuradora do Ministério Público e advogado de acusação, admitindo que escreveu as declarações que constam no processo, diz apenas ter exercido o seu “direito à liberdade de expressão”. Questionado sobre se ao fazê-lo sabia poder estar a ofender ou a incorrer num crime de difamação, responde que as palavras eram dirigidas à empresa e não ao proprietário da mesma, alegando ainda a subjectividade da matéria quanto ao que pode ser considerado ofensa ou não. Afirma, por outro lado, não ter sido o único a usar linguagem menos adequada, sublinhando que o próprio empresário apelidou-o de “terrorista social”. Quanto aos motivos que o levaram a avançar com as publicações diz tê-lo feito para “alertar outros colegas” para face à “exploração laboral” poderem “organizar-se” e no sentido de despertar uma “tomada de consciência”.

Apoiado pela defesa sublinhou ainda que os textos que difundiu através da sua conta pessoal do Facebook eram dirigidos a várias empresas que prestam o mesmo serviço, incluindo a Douro Azul, para a qual nunca trabalhou, e não a Mário Ferreira. Tendo já sido condenado por processo da mesma natureza movido pela Douro Azul, a defesa alega poder estar o arguido a ser acusado em duplicado pelo mesmo crime. Por não terem sido dissipadas todas as dúvidas nesta audiência, o tribunal decidiu pedir a certidão da condenação de Gonçalo Gomes no processo movido pela empresa do empresário que agora o acusa a título particular para ser avaliado se não está a ser julgado por matéria já julgada. Nem Mário Ferreira, nem testemunhas foram ouvidas, tendo sido agendada nova audiência para 15 de Outubro às 9h30.

Outros processos

A origem dos vários processos movidos remonta a 2016 e 2017, quando Gonçalo Gomes assumiu o lugar de porta-voz da Plataforma Laboral e Popular (PLP), composta por trabalhadores e ex-trabalhadores dos barcos turísticos do Douro, ainda que muitos deles sob anonimato. Na altura, a PLP acusava vários operadores do pagamento de salários baixos, contratos maioritariamente temporários, jornadas laborais de 60 horas semanais e de oferecerem aos funcionários dormidas a bordo em espaços exíguos, sem privacidade ou refeições feitas de restos. Em Setembro de 2017 a plataforma levou a cabo dois protestos, no Porto e em Gaia. Na sequência dos mesmos, em nome da PLP, Gonçalo Gomes foi chamado a responder em tribunal por processo movido pelo Estado por terem saído para rua sem aviso prévio.

Poucos dias antes da manifestação, o PÚBLICO falou o com o porta-voz da PLP, que denunciou as alegadas condições de trabalho nas empresas em questão. Na sequência da notícia publicada, Mário Ferreira e a Douro Azul moveram um processo no Tribunal Judicial da Comarca do Porto por “danos não patrimoniais causados pela notícia”, pedindo ao jornal uma indemnização no valor de 15 mil euros. A queixa está a aguardar a marcação da audiência prévia.

Gonçalo Gomes já foi condenado em dois processos por difamação. Desempregado, com um subsidio de desemprego de 435 euros e com uma renda de um quarto de 250 euros, mais despesas de gás, pode vir a ser condenado ao pagamento de 5 mil euros a Mário Ferreira. O arguido diz ser apenas um de muitos que sofreu na pele a falta de condições de trabalho nos barcos turísticos do Douro. Na audiência desta segunda-feira o advogado da acusação convidou-o a adiantar outros nomes. “Prefiro não dizê-los porque sei que vão sofrer represálias”, afirmou no fecho da sessão o ex-trabalhador deste sector, que em 2016 deixou a empresa Tomaz do Douro por “caducidade” do contrato.

Nota: notícia corrigida às 11h03 de dia 24 de Setembro. Inicialmente escrevíamos que a queixa de Mário Ferreira e da Douro Azul, na sequência da notícia publicada, ainda estava em fase de inquérito, o que não é correcto porque se trata de um processo cível. A formulação correcta é que “aguarda a marcação da audiência prévia”.

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