É bom que António Costa aprenda a lição

Há uma cultura política e partidária, transversal aos partidos, promíscua e permissiva ante o amiguismo, o facilitismo e o clientelismo.

A 18 dias das eleições legislativas, o secretário de Estado da Protecção Civil, José Artur Neves, demitiu-se, na quarta-feira, por ser arguido numa investigação do Ministério Público a quatro contratos entre o Estado e privados, no valor de 1,8 milhões de euros, no âmbito das políticas públicas de prevenção de incêndios.

O PÚBLICO noticiou que a investigação incide sobre o contrato por ajuste directo dos kits de emergência do programa Aldeia Segura Pessoas Seguras e sobre três contratos – em que só um foi feito por concurso público – no âmbito do programa de criação de alertas por SMS para as populações. Os crimes em causa são corrupção, participação económica em negócio e fraude na obtenção de subsídio.

Sabe-se agora que a investigação do Ministério Público é mais vasta, inclui as golas antifumo em poliéster que integravam os kits de emergência do programa Aldeia Segura Pessoas Seguras, um contrato que terá envolvido parceiros com relações pessoais e partidárias. Quando, em final de Julho, o escândalo das golas rebentou, o secretário de Estado José Artur Neves começou por atirar a responsabilidade para a Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC). 

Fê-lo a um domingo, para, no dia seguinte, 29 de Julho, o técnico Francisco Ferreira, adjunto do secretário de Estado, se demitir, assumindo a responsabilidade pela escolha das golas. Para qualquer pessoa atenta e mediamente informada, o que se passou parecia um passa-culpas de difícil sustentação. Desde quando um adjunto de um gabinete governamental é, do ponto de vista político, o responsável por um contrato do Estado? Mesmo que o adjunto tenha escolhido e tratado directamente das negociações com a empresa que forneceu os kits de emergência e o contrato tenha sido assinado pelo presidente da ANPC, a responsabilidade política pelo negócio era do secretário de Estado que tinha a tutela da Protecção Civil, delegada em si pelo ministro da Administração Interna, ou do próprio ministro.

Então o primeiro-ministro optou por assobiar para o ar e esperar que a polémica cessasse e, talvez por estar em época pré-eleitoral, não substituiu José Artur Neves. E a bomba estoirou nas vésperas da campanha. É impossível saber agora ou até depois de 6 de Outubro os danos eleitorais que este caso pode trazer ao PS.

O problema é, porém, mais vasto e prende-se com a existência de uma cultura política e partidária, transversal aos partidos, promiscua e permissiva ante o amiguismo, o facilitismo e o clientelismo. Essa cultura manifestou-se durante a vigência do Governo de António Costa. É importante frisar que a seriedade e a honestidade do primeiro-ministro não estão em causa. Se António Costa tivesse algum “rabo de palha”, um comportamento irregular ou ilícito do ponto de vista da ética do Estado, certamente já tinha sido publicado nos jornais. Afinal está à frente do Governo há quatro anos.

Este caso insere-se num padrão de cultura política em que domina a falta de rigor e exigência ética no desempenho de funções governativas – um padrão que é possível rastrear por situações diversas, quer na tipologia, quer no grau de gravidade. Em Julho de 2017, os secretários de Estado Fernando Rocha Andrade, Jorge Costa Oliveira e João Vasconcelos demitem-se por terem sido constituídos arguidos, sob a suspeita de “recebimento indevido de vantagem”, numa investigação do Ministério Público. Em causa estava terem aceitado convites da Galp para viajarem até Paris e assistirem a jogos da selecção portuguesa de futebol no Euro 2016.

Já este ano, o Governo foi notícia devido às ligações de familiares de ministros que são assessores em gabinetes governamentais, havendo no próprio Conselho de Ministros relações familiares: a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa é filha do ministro do Trabalho e da Segurança Social; a ministra do Mar é casada com o ministro da Administração Interna. 

Na sequência do caso das golas, foi noticiado que há membros do Governo que por relações familiares têm negócios com entidades do Estado: o marido da ministra da Justiça dá pareceres jurídicos para o Ministério da Administração Interna e os pais do ministro das Infra-estruturas e da Habitação e da ministra da Cultura fazem negócios com entidades públicas. E ainda que o filho do agora ex-secretário de Estado da Prevenção Civil também fez negócios com câmaras municipais.

É certo que este último caso não pode ser incluído no mesmo padrão de comportamento promíscuo e que o próprio parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República o clarifica. Mas há, de facto, uma cultura político-partidária permissiva no desempenho de funções governativas, a qual não é compaginável com as exigências da democracia no Portugal de hoje. É bom que António Costa aprenda a lição, se o PS ganhar as legislativas.

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