Eleitores portugueses ainda “votam com a carteira”

Estado da economia, impostos e politicas sociais são mais decisivos para o sentido de voto que o factor ideológico, que é o terreno do PCP.

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Cartazes de apelo ao voto nas europeias de 26 de Maio Manuel Roberto

A democracia e o sistema eleitoral em Portugal dão sinais de grande estabilidade, comparando com Grécia ou Itália, e há muitos eleitores portugueses que continuam a “votar com a carteira”. Esta conclusão pode ser retirada de um estudo, da autoria de Marco Lisi, licenciado em Ciências Políticas na Universidade de Florença, actual professor auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigador do ICS, que resultou na publicação do livro Eleições: Campanhas eleitorais e decisão de voto em Portugal, editado em Julho (Edições Sílabo) com base nos resultados dos inquéritos pós-eleitorais feitos pelo Instituto de Ciências Sociais.

Em declarações à Lusa, Marco Lisi sublinha que o comportamento do eleitor português está muito marcado, além de factores ideológicos e sócio económicos, pelos denominados “factores de curto prazo”. A imagem dos líderes partidários, os temas de campanha, onde a economia, “votar com a carteira”, tem ainda muito peso.

Nas eleições legislativas de 2002, a principal preocupação dos eleitores era a instabilidade económica. Em 2005 e 2009 foi o desemprego, logo seguida da situação económica negativa. Já em 2011 foi a crise em geral.

A importância do voto económico remete para um episódio famoso quando, na campanha de 1980 nas presidenciais norte-americanas, o republicano Ronald Reagan fez a pergunta, retórica, aos eleitores num debate com o democrata Jimmy Carter: se estavam melhor e se era mais fácil irem às compras do que há quatro anos. Reagan ganhou.

Olhando o comportamento eleitoral, Marco Lisi anotou ainda algum peso do factor ideológico, no voto no PCP, por exemplo, mas os factores decisivos são mesmo “os mais tradicionais”: o estado da economia, os impostos, as políticas sociais.

Portugal, explicou, não foi “afectado” por novos temas, como a imigração, que “mudaram os equilíbrios partidários noutros países”, como em Itália ou na Grécia, e em menor grau em Espanha, que fizeram surgir novos partidos ou crescer outros já existentes, pelo que há “uma estabilidade grande nos eleitorados”.

O investigador confessou-se surpreendido com o papel dos eleitores indecisos, um grupo que pode decidir o resultado de eleições. No livro, aparecem caracterizados “pela combinação de elevados níveis de educação e, ao mesmo tempo, traços de desafeição, como o fraco interesse pela política”, a par de características mais gerais, como apatia, distância da esfera política e menor participação.

Lisi admite também ter ficado surpreendido com outras duas conclusões. Por um lado, aponta o que indicia ser “um paradoxo” por existir “um eleitorado que parece estar muito dependente da imagem dos líderes ou dos temas de campanha” e, ao mesmo tempo, “haver uma grande estabilidade nas opções de voto” dos portugueses. “Houve uma grande estabilidade da oferta partidária. A combinação da importância das campanhas, os factores de curto prazo com essa estabilidade eleitoral” torna Portugal num caso único no contexto europeu, disse.

Outro fenómeno é o eleitorado indeciso, “muito crítico dos partidos tradicionais”, bem como a incapacidade dos partidos, “novos e velhos”, de “trazer de volta ou mobilizar” eleitores, que “não votam por acharem que não vale a pena voltar a votar”. Enquanto Emmanuel Mácron, em França, ou Barack Obama, nos Estados Unidos, conseguiram mobilizar eleitores.

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