O dilema de Trump

Trump conduziu uma escalada de sanções aproveitando a vulnerabilidade económica iraniana. Agora, Teerão aposta na nova grande vulnerabilidade do Presidente americano: as eleições de 2020.

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1. Uma semana depois do devastador ataque às instalações petrolíferas sauditas, as atenções deslocam-se do Irão para a resposta de Donald Trump. Ele enfrenta um dilema. Com uma resposta militar, corre o risco de desencadear uma escalada incontrolável, a última coisa que deseja. Com uma resposta diplomática, corre o risco de ser acusado de fraqueza. Como “dissuadir” Teerão? Ninguém subestima a gravidade da crise aberta a 14 de Setembro.

Comecemos por um apontamento sobre Trump. Na sexta-feira, interrogado por jornalistas, respondeu ao senador republicano Lindsey Graham que proclamara que a ausência de uma resposta [militar] de Washington seria interpretada por Teerão como uma confissão de fraqueza. “Não, eu penso que é um sinal de força”, respondeu o Presidente. “O mais fácil é atacar. Devem pôr a questão a Lindsay e perguntarem-lhe o que deu termos ido ao Médio Oriente. O que é que aconteceu no Iraque?” Acrescentou: “Há muitas opções. E há a opção última.” Ponto final.

A actual prudência de Trump contrasta com antigas fanfarronadas como a ameaça de “obliteração” ou o “fim oficial do Irão”. O Presidente está obviamente centrado na campanha eleitoral de 2020 e não a quer hipotecar com uma aventura militar, domesticamente impopular e diplomaticamente desastrosa. Há quem faça uma analogia irónica. O antigo Presidente Theodore Roosevelt (1858-1919) aconselhava a “falar docemente com um cacete na mão”. Trump fala agressivamente, mas sem cacete.

A hesitação de Trump é justificada. Teerão sabe que não pode ganhar uma guerra aos Estados Unidos. Mas explica Ali Vaez, director do dossier Irão no International Crisis Group: “O que o Irão quer mostrar é que, em vez de um desafio em que um vence e o outro perde, pode haver um desafio em que todos acabam por perder.”

Não interessa especular sobre a responsabilidade do ataque de 14 de Setembro. Ao Irão não importa ser acusado. É-lhe útil ser acusado. Apenas lhe interessa que, perante a comunidade internacional, não haja provas da sua autoria. Parece evidente que, no caso de o ataque ter sido desencadeado a partir do Iémen, os Houthi dificilmente teriam meios para uma acção tão precisa e devastadora.

2. O ataque de 14 de Setembro é uma humilhação para a Arábia Saudita e para o príncipe regente, Mohammed Bin Salman. Ele assumiu o encargo de pôr termo ao poderio do Irão. Tentou isolar o Qatar e assumir a liderança dos Estados sunitas contra Teerão. Lançou-se na aventura de uma mortífera guerra de bombardeamentos no Iémen, que só serviu para denegrir a já pouco ilustre imagem dos sauditas.

Sofre agora a demonstração da extrema vulnerabilidade daquilo que faz a sua força: os campos de petróleo. A Arábia Saudita tem gasto biliões em armamento sofisticado para, no fim, descobrir que está à mercê dos inimigos regionais. Tem Riad capacidade para contra-atacar no Irão? Só “à boleia” da esquadra americana.

A crise aberta tem um alcance mais largo. O mundo inteiro preocupa-se com o preço do petróleo e com a segurança das rotas da energia. Os Estados Unidos não são excepção. O ponto crítico é outro. As petromonarquias do Golfo sempre tiveram como certa e segura a sua protecção pelos Estados Unidos. Muitos apontam o exemplo da segunda Guerra do Golfo, de 1991, após o Iraque de Saddam Hussein ter ocupado o Kuwait. Mas outros lembram-se agora de uma outra sibilina e antiga frase de Trump: “A Arábia Saudita deveria travar as suas próprias guerras.” Ou seja, regressa a preocupação com a ambiguidade de Trump perante os aliados.

“Na sua resposta ao Irão, Trump é ainda pior do que Obama”, declarou ao New York Times um influente editorialista, Abdulkhaleq Addullah, dos Emirados Árabes Unidos. “Foi a sua inacção que deu luz verde a isto. Um parceiro do Golfo Arábico foi atacado pelo Irão – o qual foi provocado por Trump e não por nós – e ouvimos agora os americanos dizer-nos: têm de se defender a si mesmos.”

3. Os acordos de Viena de 2015 não se limitavam a resolver, melhor ou pior, a questão do programa nuclear iraniano. Tinham, em especial para os Estados Unidos, um desígnio estratégico muito mais largo. Era a perspectiva de uma “viragem tectónica” na paisagem política do Médio Oriente. Washington apostava numa cooperação estratégica com Teerão para atenuar a linha de fractura entre os blocos sunita e xiita, o que impunha o fim do isolamento iraniano.

O semanário The Economist desta semana chama atenção para “dois erros terríficos” que contribuíram para a presente crise. “O primeiro é a guerra de quatro anos da Arábia Saudita no Iémen, um desastre moral mas também estratégico. (…) A segunda asneira foi da Administração Trump, a retirada no ano passado do acordo” com o Irão.

Conclusão: “Uma demonstração de força faz parte do caminho de regresso às negociações nucleares – e também para a reparação daqueles terríveis erros. (…) E a América precisa de dar ao Irão um sinal de que será razoável na renegociação de um acordo nuclear. Se pedir ao Irão que se renda, o Médio Oriente nada obterá senão mais desgraça.”

4. Voltando ao cerne do conflito. A estratégia americana da “máxima pressão” para asfixiar o Irão teve o efeito oposto ao desejado, anota, no Guardian, a analista Mahsa Rouhi, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres. “Quanto mais pressão for exercida, mais Teerão apostará numa estratégia de risco, simplesmente porque estará mais desesperada e sente que tem menos a perder.”

Note-se que Teerão põe em causa muito mais do que o tabuleiro regional: quer forçar a mudança da política americana e lança um aviso, ou um apelo, à Europa e à China.

É esta a lógica subjacente na dinâmica do conflito, em que o Irão esgotou a “paciência estratégica”. Significa isto que a política da “máxima pressão” não só falhou como se torna absolutamente perigosa, incentivando o Irão a subir a parada. E se, nesta dinâmica, uma retaliação americana ou um erro de cálculo iraniano levarem à morte de pessoas, é elevado o risco de uma escalada incontrolável e com efeitos globais.

Voltando ao princípio. Até agora, Trump conduziu uma escalada de sanções aproveitando a vulnerabilidade económica iraniana. Agora, Teerão aposta na nova grande vulnerabilidade do Presidente americano: as eleições de 2020.

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