Ventos de esquerda

Será que, mesmo que perca as eleições, Rio quer ficar a liderar o PSD para fazer as grandes reformas estruturais, como costuma dizer, e a próxima será uma alteração à Segurança Social com o PCP e BE?

Tome notas destas três frases, pois proponho-lhe um desafio. 

  1. “Alargar e aperfeiçoar a base de financiamento da Segurança Social por forma a que a componente que incide sobre os empregos e os salários seja completada por outras fontes, nomeadamente a taxação do valor acrescentado das empresas”. 

  2. “Numa sociedade em elevada mutação tecnológica, um sistema de financiamento baseado exclusivamente nos salários, conduz, obviamente, à redução das suas receitas, é desincentivadora da criação de emprego, introduz elementos de desequilíbrio concorrencial entre as empresas”.

  3. “O financiamento da Segurança Social não deve repousar exclusivamente sobre o factor salário. Há empresas que não são de mão-de-obra intensiva mas de capital intensivo”.

Na verdade, são todas muito semelhantes e defendem uma alteração no chamado modelo de fontes de financiamento da Segurança Social. O raciocínio é simples: com uma população cada vez mais envelhecida, o aumento da economia não garantirá por si só receitas para pagar as pensões de reforma a toda a gente nos próximos anos. A pressão sobre o sistema é grande e uma das possibilidades seria fazer com que as empresas descontem para a Segurança Social não só em função do número de trabalhadores que empregam mas também em função da riqueza que geram, ou seja, do Valor Acrescentado Líquido.

Mas vamos lá. Quem disse cada uma delas? 

A primeira consta do documento “Por uma reforma democrática da Segurança Social: conclusões do Encontro Nacional do PCP Sobre Segurança Social”, coordenado por Edgar Correia, e data de 1996. António Guterres era primeiro-ministro há apenas um ano, o programa Chuva de Estrelas apresentado pela Catarina Furtado era um sucesso na SIC e Vítor Baía o capitão da selecção portuguesa no regresso ao Europeu, que esse ano se disputava em Inglaterra.

A segunda foi dirigida a Eduardo Ferro Rodrigues, então ministro da Segurança Social, durante uma interpelação ao Governo no Parlamento em 1998, pelo então deputado do PCP Lino de Carvalho que ficou sozinho nesta proposta.

A terceira é da autoria de Rui Rio, presidente do PSD, e foi proferida esta quarta-feira, durante um debate entre os líderes dos seis partidos com assento parlamentar. Aquilo que há 23 anos parecia uma ideia radical e que nunca foi acolhido pelo PS ao longo do tempo aparece agora pela voz de Rui Rio, o líder que na verdade tem avisado que não é “de direita”, mas “do centro moderado”.

Esta proposta consta do programa eleitoral do PSD e contraria a posição dos últimos anos do partido. Basta comparar com o programa de 2015, feito por Pedro Passos Coelho, ou recordar as intervenções dos últimos ministros da Segurança Social de Governos liderados pelo PSD, como António Bagão Félix ou Luís Pedro Mota Soares. Nas sete páginas dedicadas à Segurança Social, o programa eleitoral de 2015 seguia outro caminho: a solução passaria por diminuir alguns encargos futuros permitindo “a introdução, para as gerações mais novas, de um limite superior para efeitos de contribuição, que em contrapartida também determinará um valor máximo para a futura pensão”. Nada a ver com uma alteração do cálculo dos descontos das empresas. 

Passos Coelho, aliás, foi o autor daquela polémica proposta de aumentar a contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social (18% em vez dos 11%) de modo a permitir que as empresas pagassem uma taxa social única mais baixa (18% em vez dos 23,5%) - que acabou por cair dada a contestação social, mas que merecia, claro, o apoio dos empresários.

Nos últimos anos, o país virou à esquerda e o PSD também. O caso da Segurança Social é um exemplo disso. Com aquele jeito desembaraçado que o caracteriza, mas que também se confunde às vezes com alguma leviandade, Rio insistia na questão dos descontos das empresas no debate de quarta-feira: “Vai ter que ser, mais dia, menos dia. Quanto mais cedo, melhor”. Pois, isto levanta-me uma dúvida. Será que, mesmo que perca as eleições, Rio quer ficar a liderar o PSD para fazer as grandes reformas estruturais, como costuma dizer, e a próxima será esta alteração à Segurança Social com o PCP e BE?

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