Viagem de autarcas a Istambul já tinha sido arquivado pelo MP em Braga

Eventos no estrangeiro visavam “retirar os clientes do contexto dos afazeres diários” para melhor discutirem os produtos informáticos da Ano, alegou dono da empresa.

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Istambul. Viagem em causa aconteceu em 2015 Rui Gaudencio

A aceitação do convite que levou alguns autarcas, dirigentes e técnicos camarários a viajar para Istambul em 2015 a expensas de uma empresa de informática foi investigada uma primeira vez, em 2016, pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Braga. Contrariamente ao que sucedeu com o inquérito instaurado no ano passado pelo DIAP de Coimbra e que agora levou à acusação de recebimento de vantagens indevida contra dois autarcas de Penamacor por terem aceitado a mesma viagem, a investigação de Braga foi arquivado em Fevereiro de 2017. 

Depois de algumas diligências investigatórios relacionadas com a aceitação do convite da empresa Ano por autarcas e/ou dirigentes ou técnicos das câmaras de Amares, Cabeceiras de Basto e Póvoa do Lanhoso, a Polícia Judiciária entendeu, e o Ministério Público concordou, mandar arquivar os autos, que não havia matéria para acusar quem quer que fosse. “Verificou-se que a maioria das câmaras já tinha aplicações da Ano” antes da ida a Istambul, lê-se no relatório da PJ que mereceu a concordância do procurador titular do inquérito.

Quanto ao papel de influenciador, em favor da Ano, que alegadamente teria sido desenvolvido junto das câmaras convidadas por um ex- vice-presidente (PS) e actual vereador (independente e na oposição) da Câmara de Fafe, Antero Barbosa, a PJ concluiu que “nada foi apurado”. Embora não tenha sido visado no inquérito do DIAP de Coimbra, Antero Barbosa foi ouvido nos autos e confirmou que, entre 2013 e 2017, período em que não desempenhou funções autárquicas, colaborou com Ano, sendo pago mediante “recibos verdes”. Segundo afirmou, o seu trabalho incluía deslocações, com o dono da empresa, Manuel Amorim, a várias câmaras, sobretudo na zona Norte, já que, “fruto das funções de vereador que exercera, conhecia alguns dos autarcas”. O seu papel, esclareceu, consistia em “atestar a credibilidade dos produtos da Ano por os conhecer como utilizador”

O entāo colaborador da empresa participou na viagem a Istambul, com os seus ex-colegas autarcas, mas, questionado pela PJ sobre se teria aceitado o convite, se estivesse em funções nalguma autarquia, respondeu que não aceitaria. “Por uma questão de princípio”, esclareceu.

Também ouvido, mas na qualidade de arguido, Manuel Amorim disse que a realização de eventos como o de Istambul era uma prática regular da empresa. Quando a iniciativa se se desenrola no estrangeiro, adiantou o empresário, a sua duração é de dois ou três dias e tem como objectivo “retirar os clientes do contexto dos afazeres diários. Com isso estāo mais concentrados para trabalharem connosco, partilhando problemas e preocupações, dando ideias de solução e discutindo logo com os técnicos da Ano presentes”.

De acordo com a documentação do processo foram convidados para Istambul autarcas, dirigentes e técnicos de 33 municípios, quatro entidades públicas não autárquicas, incluindo o director de compras do Ministério do Ambiente (que não aceitou), duas empresas municipais e uma Comunidade Intermunicipal.

No total aceitaram o convite autarcas, dirigentes ou técnicos de 16 municípios (21 participantes), mais três convidados pertencentes às duas empresas municipais e à Comunidade Intermunicipal as Beiras.

No caso da Câmara de Cabeceiras de Basto, que enviou ao Público um esclarecimento em que afirma não ter participado na viagem nenhum autarca nem qualquer “representante” daquele município, os autos mostram, todavia, que o chefe da respectiva Divisão Administrativa e Financeira”, Ramiro Carvalho, participou no evento. Num ofício dirigido ao DIAP de Braga em 2016, no âmbito do inquérito referido, o presidente daquela autarquia diz que quem se deslocou à Turquia foi o funcionário Ramiro Carvalho, que o fez “a título pessoal, tendo usado dias de férias”.

Igualmente a título pessoal, afirmou ao PÚBLICO um porta-voz da Câmara da Feira, viajou um técnico de informática, Sérgio Araújo, nāo tendo participado qualquer autarca ou dirigente.

Também no caso de Amarante quem foi a Istambul foi um técnico superior de informática, Ângelo Marinho. O mesmo aconteceu em Mondim de Basto. Não foi nenhum autarca, mas foi o especialista de informática Nuno Mota.

Em representação de Baiāo também não foi o entāo presidente e actual secretario de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, mas foi o seu vice e actual presidente, Paulo Pereira. José Luís Carneiro disse ao PÚBLICO que não tinha conhecimento de que tivesse ido alguém da sua equipa, mas sugeriu um contacto com Paulo Pereira. Este não respondeu aos dois SMS que lhe foram enviados, apesar de ser referida a sugestão do seu antecessor.

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