Novo código penal indonésio vai criminalizar relações sexuais extraconjugais

Trezentas mil pessoas pedem ao Presidente Joko Widodo que trave a lei que também prevê multas para quem promova contraceptivos.

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O Presidente indonésio, Joko Widodo Reuters/BEAWIHARTA

O Parlamento indonésio vai aprovar, na próxima semana, um novo código penal que criminaliza as uniões de facto, as relações sexuais extraconjugais e os “actos obscenos”. Mais de 300 mil indonésios já assinaram uma petição a pedir a intervenção do Presidente, Joko Widodo, por entenderem que a nova lei é um retrocesso.

O Governo e o Parlamento chegaram a acordo sobre o novo código penal na quarta-feira. Estava a ser redigido e discutido há décadas e vai substituir o código penal oriundo da era colonial holandesa, com o objectivo de representar a independência e religiosidade do país.

“Queremos mudar o nosso código penal para que tenha a perspectiva indonésia sobre a lei. Há algumas leis no código penal que já não são adequadas para a Indonésia”, disse o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Yasonna Laoly, à CNN, sublinhando que a votação da lei no Parlamento a 24 de Setembro será uma “mera formalidade por todos os partidos concordarem”. 

“O Estado deve proteger os cidadãos de comportamentos contrários aos supremos preceitos de Deus”, disse à Reuters Nasir Djamil, do Partido Justiça Próspera. A Indonésia é o país muçulmano mais populoso no mundo, tem uma significativa população cristã, hindu e budista e, nos últimos anos, a tendência islamita tem ganho força.

O novo código de 628 artigos estipula que os casais que estejam a viver juntos “como marido e esposa” sem estarem casados podem ser presos por seis meses ou multados em dez milhões de rupias (641 euros), o que perfaz três meses de salários para a maioria dos indonésios, e que quem tenha sexo extraconjugal possa ser condenado a até um ano de prisão, diz a Reuters. Além disso, a lei reitera que o casamento homossexual não é reconhecido no país e quem cometer “actos obscenos” que violem a decência, sem dar mais detalhes, pode ser preso – a imprensa indonésia diz que esta alínea pode ter como alvo a comunidade LGBT.

Sobre a interrupção voluntária da gravidez, a lei define uma pena máxima de até quatro anos para as mulheres que o façam em situações em que não haja emergência médica ou violação e multas para quem promova contraceptivos. Quem discutir publicamente e sem autorização “ferramentas de aborto” poderá ser condenado a seis meses de prisão. 

A nova lei cria um ambiente de suspeição na sociedade. Os familiares, inclusive crianças, poderão fazer denúncias às autoridades e o chefe de aldeia passa a poder apresentar queixa contra qualquer casal que viva em união de facto ou quem tenha relações extraconjugais. 

A lei também se aplicará aos estrangeiros que vivam ou visitem o país. Questionado sobre se podem ser detidos ou multados, o deputado Teuku Taufiqulhadi disse à Reuters não haver problema. “Sem problema, desde que as pessoas não saibam”, afirmou. 

“No geral, o novo código representa o aumento do conservadorismo. É extremamente regressivo”, disse Tim Lindsey, director do Centro de Direito da Indonésia, Islão e Sociedade da Universidade de Melbourne, citado pela Reuters.

Opinião partilhada por Andreas Harsono, investigador da Human Rights Watch, que classifica esta lei como “desastrosa”. “O rascunho do código penal indonésio é desastroso não apenas para mulheres e minorias religiosas, mas para todos os indonésios. Os deputados devem retirar todos os artigos abusivos antes de o aprovarem”, reiterou Harsono ao Guardian. “A censura da informação sobre contracepção presente na lei pode fazer regredir o progresso que a Indonésia fez nos últimos anos na redução das mortes maternais”.

Se for aprovada, continuou o investigador, “vai confirmar que a Indonésia se está a tornar num Estado Islâmico” por muito do código penal se “basear na lei islâmica, a sharia”.

A sociedade civil tenta impedir a entrada em vigor do novo código penal. Uma petição a pedir a intervenção do Presidente indonésio, Joko Widodo (Jokowi), recolheu em 24 horas mais de 300 mil assinaturas num país de 264 milhões de pessoas.

“Este é um momento pelo qual será recordado. Qual o legado que Jokowi quer deixar? Um Presidente lembrado por incluir uma agenda ditatorial e anti-direitos humanos no código penal?”, pergunta Tunggal Pawestri, autor da petição, ao Guardian. “Se realmente se preocupa com a sua imagem como Presidente, precisa de seguir a voz do povo”.

Na quinta-feira, centenas de pessoas manifestaram-se em frente ao Parlamento contra a lei.

O mesmo código penal tem, segundo os críticos, leis que facilitam a corrupção - reduz a sentença por corrupção de quatro para dois anos e, esta semana, os deputados aprovaram em velocidade relâmpago uma lei sobre que reduz os poderes da comissão anti-corrupção. Nos últimos anos, mais de 20 deputados foram visados em investigações anti-corrupção, diz o Guardian.

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