Medicina, Saúde, Doença e Acto Médico

É urgente definir competências e responsabilidades relativamente às várias profissões que concorrem para a “prestação de cuidados de saúde/doença” aos Cidadãos e às comunidades.

A evolução da sociedade e dos seus conceitos tornam imperativo caracterizar o universo e âmbito das profissões, bem como equacionar outra definição de deveres, obrigações e direitos dos profissionais, tendo em mente o(s) objectivo(s) que justificam a clarificação e legitimação de outorgas para o exercício de cada profissão.

É particularmente crítica a situação actual de indefinição da miríade de profissões que integram uma área hoje designada de “Ciências da Vida e da Saúde”, permitindo que conceitos antigos, mas qualificadamente sedimentados pela ciência e pela prática, sejam suporte para eventuais arbitrariedades cujas consequências podem ser nefastas, apesar dos benefícios socio-económicos que desenvolvem.

No âmbito do que comummente é entendido como “área da saúde”, há muitas actividades profissionais novas ou já existentes, consideradas fora do âmbito tradicional da “área da saúde”, mormente do exercício da medicina.

O desenvolvimento, a formação e afirmação técnico-científica e académica, assim como a legalização de vários sectores profissionais, tradicionalmente integrados no conceito de “prestadores de cuidados de saúde”, a par da evolução da sociedade para uma prática de actividades que, podendo não ser de saúde, são, no entanto, promovidas como tal, veio criar um vazio legal pela indefinição das especificidades dos universos e actos neles inseridos que se consideram da incumbência e responsabilidade de cada uma das profissões que prestam cuidados de saúde.

Sem desvalorizar o bem-estar que actividades várias podem proporcionar às pessoas, numa sociedade agrilhoada pelo stress motivado pelo domínio do material, ainda assim não são reconhecidas como um bem directamente contributivo para a saúde de cada Cidadão ou de interesse para a saúde pública e, na generalidade dos casos, não têm sustentação científica.

Acresce que, não existindo uma clara definição distintiva entre os universos da saúde e da doença, fica ao arbítrio dos mais diversos interesses, a promoção e o exercício de actos que, na sua essência, têm impactos distintos. E é óbvio que a proliferação de actividades e novas profissões, que se vêm desenvolvendo e integrando na “área da saúde”, decorrem de objectivos mais da esfera das “actividades económicas” do que do interesse genuíno da saúde e bem-estar da sociedade e seus indivíduos.

Possuir uma licenciatura, um mestrado, um doutoramento, por si só, não garante competência e qualidade profissionais, no exercício da prática quotidiana. As qualificações académicas são um requisito de segurança e salvaguarda, mas não são uma garantia de qualidade e eficiência do profissional. Uma boa prestação de cuidados de saúde depende muito mais da sabedoria do profissional do que dos conhecimentos teóricos que adquiriu.

A qualidade, em “saúde aplicada”, assenta, muitíssimo, na experiência do profissional que exerce. Não basta - e muitas vezes é insuficiente - ser licenciado em medicina para prestar cuidados médicos de qualidade e a responsabilização por prestação de actos em cuidados de saúde deve realçar este factor. O conhecimento e méritos académicos não conferem, por si só, competência técnica, factor determinante para o exercício de uma profissão, com a respectiva responsabilização legal pelos actos praticados.

Será que um mestrado ou doutoramento de profissionais técnicos, por exemplo, de anatomia patológica, ou cardio-pneumologia, ou audiologia, conferem competência para diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico, diagnóstico e terapêutica em cardiologia, ou diagnóstico e tratamento de patologia do ouvido?

O poder político e seus legisladores já demoram na remodelação formal de conceitos como “licenciado em medicina”, “médico”, “clínico”, “gestor clínico”, “professor”, “doutor”, “perito médico”, “técnicos de diagnóstico e terapêutica”, “licenciado em enfermagem”, “enfermeiro”, “técnico de diagnóstico e terapêutica”, “técnico e técnico ajudante de medicina legal”, “assistentes operacionais”, etc.

É urgente definir competências e responsabilidades relativamente às várias profissões que concorrem para a “prestação de cuidados de saúde/doença” aos Cidadãos e às comunidades, valorizando todos, enquanto profissionais, mas salvaguardando os Cidadãos de voluntarismos excessivos e perigosos, bem como de interesses menos saudáveis.

Não pode ficar arbitrária a distinção entre profissão “em saúde” e competência técnico-científica no exercício da medicina.

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