Aeroporto do Montijo: opção sensata

Desde a intervenção da troika, em 2011, Portugal é um país com capacidade de manobra limitada. Realismo e sensatez recomendam-se.

Foi publicado na edição do passado sábado (14 de setembro) deste jornal um artigo com um título aparentemente inócuo: “Por um aeroporto sustentável para Lisboa”. Embora sem autoria explícita, é referido no final do artigo que se trata de subscritores de um manifesto designado “Poupem o Montijo”, sendo apresentada uma lista de mais de seis dezenas de individualidades dos mais diversos quadrantes, incluindo a engenharia, o teatro e a música. Teria sido mais transparente adotar para título do artigo a designação do manifesto; o leitor ficava logo a saber o que vinha a seguir: um manifesto antiaeroporto do Montijo.

Embora numa sociedade democrática os cidadãos sejam livres de manifestar as suas opiniões, o artigo contém várias inverdades, as quais devem ser desmontadas, sob pena de uma mentira repetida muitas vezes parecer verdade – as fake news, de que hoje tanto se fala.

Em primeiro lugar, a questão política. A decisão de construir um aeroporto no Montijo não é, conforme insinuado no artigo e também por vários agentes políticos, um “esquema” do grupo Vinci (dono da ANA), com a conivência do Governo Português. A decisão de parar o processo da construção de um novo aeroporto faz parte do acordo celebrado por José Sócrates e o seu Governo com a troika (FMI+BCE+UE), em maio de 2011, no seguimento do pedido de resgate para evitar a bancarrota do país, consequência da sua imprudente governação, na qual colaboraram alguns dos subscritores do manifesto.

O Plano Estratégico de Transportes, aprovado em novembro de 2011, já com Passos Coelho primeiro-ministro, assumiu então a revisão dos pressupostos que serviram de base à decisão de construir um novo aeroporto de Lisboa, preconizando uma estratégia de ampliação da capacidade aeroportuária na região de Lisboa, com a maximização da capacidade do aeroporto da Portela e a análise da conversão de infraestruturas aeroportuárias existentes nesta zona para acomodar tráfego civil.

Assim, no contrato de concessão celebrado no final de 2012 entre o Estado e a ANA (que passou a ser a concessionária de todos os aeroportos nacionais por um período de 50 anos, até 2062), o aeroporto da Portela seria mantido em funcionamento e a sua capacidade reforçada através da criação de um aeroporto complementar, a instalar num dos aeródromos existentes na região de Lisboa. Foram comparadas várias localizações: Montijo, Alverca e Granja do Marquês (Sintra), tendo a “equipa de missão” encarregado do estudo concluído em 2014 que a melhor opção seria o Montijo.

Aprovado o contrato de concessão, avançou-se para a privatização da ANA, tendo, no seguimento do concurso internacional realizado, esta sido vendida ao grupo Vinci no final de 2013 por 3100 milhões de euros, um excelente negócio para o Estado. Portanto, para que não seja afetada a confiança dos cidadãos nas instituições, este tipo de insinuações deve terminar; com a construção do aeroporto do Montijo o grupo Vinci limita-se a cumprir o estabelecido no contrato de concessão da ANA.

O artigo refere seguidamente os impactes negativos do projeto, com relevo para a avifauna (o voo das aves) e o ruído nas zonas urbanas sobrevoadas pelos aviões, tanto na margem sul, como em Lisboa. Não devendo ser desvalorizadas, trata-se de matérias já conhecidas, para as quais é possível a adoção de medidas de mitigação.

Há, contudo, referência a uma matéria que deve ser analisada com atenção: a questão das alterações climáticas e a subida do nível do mar e do estuário do Tejo, que, segundo o artigo, “porá em risco a viabilidade da infra-estrutura”. Esta insinuação é um embuste, que precisa ser desmontado.

Apesar de a subida do nível do mar ser um fenómeno ainda muito incerto, os cenários mais pessimistas apontam para subidas anuais na costa portuguesa da ordem dos cinco milímetros. Ora, como o Aeroporto do Montijo fica acima da cota +4, tal nunca irá acontecer antes de 800 anos, quando a infraestrutura que se pretende construir é para funcionar, no máximo, 40. Aliás, esta preocupação é curiosa, já que toda a zona ribeirinha de Lisboa, desde o Parque das Nações até Belém, está a cerca da cota +3, ou seja, quando a água chegar ao Aeroporto do Montijo há mais de 200 anos que não existirá zona ribeirinha de Lisboa.

O artigo conclui então que “é essencial avaliar as alternativas, de modo a selecionar a que melhor responde às exigências”, portanto, que “é preciso realizar uma avaliação ambiental estratégica” do projeto. No entanto, o artigo não refere alternativas possíveis à solução “Portela+Montijo”. Além disso, quando se fala de alternativas, não deve ser apenas do aeroporto, terão de ser incluídas todas as infraestruturas complementares, em particular os acessos, tanto rodoviários como ferroviários, neste caso a travessia (ou travessias) do Tejo necessárias.

É curioso que o artigo dê como adquirida, a breve prazo, uma travessia ferroviária Chelas-Barreiro, para ligar Lisboa a Madrid e às redes ferroviárias transeuropeias, isto é, em bitola UIC (ou Europeia, como alguns a apelidam). Na atual situação, esta ideia é absurda: gastar mais de mil milhões de euros para construir uma ponte sobre o Tejo para comboios em bitola UIC, cujo tráfego nunca irá além de um comboio de duas em duas horas em cada sentido, seria uma insensatez. Esse serviço poderá ser perfeitamente satisfeito pela Ponte 25 de Abril, convertendo o tabuleiro atual em bitola ibérica para bi-bitola (bitola ibérica + bitola UIC, a funcionar em simultâneo).

Com os problemas de endividamento do Estado (uma dívida pública superior a 250 mil milhões de euros e um encargo com juros superior a seis mil milhões de euros anuais), o dinheiro para investimento público é diminuto, pelo que deverá ser usado com parcimónia e de modo a trazer o máximo retorno à economia do país. Uma futura travessia Chelas-Barreiro só deverá ser equacionada quando o país estiver em condições de construir um novo aeroporto de raiz (o que só irá acontecer lá para 2050), mas na localização certa, a zona de Rio Frio, a seguir ao Pinhal Novo.

Além disso, com o Aeroporto do Montijo, complementar do Aeroporto da Portela, não será preciso construir mais nenhuma nova travessia rodoviária do Tejo no corredor nascente, durante as próximas décadas. A Ponte Vasco da Gama tem folga suficiente para acomodar o tráfego gerado, bem como para instalar um serviço de metrobus, o qual, associado ao serviço fluvial dos catamarãs da Transtejo, terá um efeito igual ou superior ao de um serviço ferroviário suburbano.

O real constrangimento na travessia do Tejo em Lisboa é a Ponte 25 de Abril, cujo tabuleiro rodoviário está há vários anos a funcionar muito acima da sua capacidade, devendo por isso ser rapidamente criada uma travessia complementar (em princípio, em túnel), no alinhamento Algés-Trafaria, por exemplo. Contudo, essa travessia deverá ficar a cargo do concessionário das travessias do Tejo, portanto, sem encargos para o Orçamento do Estado ou o pacote de fundos europeus.

Para mais informação sobre estas opções poderá ser consultado o livro com o título Grandes Projetos de Obras Públicas. Desafios Portugal 2030, recentemente publicado pelo autor.

Desde a intervenção da troika, em 2011, Portugal é um país com capacidade de manobra limitada. Realismo e sensatez recomendam-se.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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