250 Anos do Nascimento de Alexander von Humboldt, o géografo alemão visionário

As ideias de Humboldt permanecem atuais, fazendo dele aquilo que se pode denominar de um visionário, sobretudo quando as alterações climáticas têm hoje o impacto que têm.

Há dois séculos e meio, a 14 de setembro, nascia Alexander von Humboldt em Berlim, um dos cientistas mais conhecidos do seu tempo. Explorador, quis “conquistar” o mundo não pela via da força, mas através do conhecimento, observando e compreendendo in loco os fenómenos físicos, isto é, a Geografia Física.

Filho de um oficial prussiano e irmão de Wilhelm von Humboldt, funcionário do governo, linguista e fundador da Universidade de Berlim, a Humboldt-Universität, deixou de lado o conforto que a herança nobre lhe podia proporcionar e dedicou grande parte da sua vida a viajar para investigar a natureza. Para Humboldt, a Geografia correspondia a uma Erdbeschreibung [descrição da terra]

Há dois séculos e vinte anos, o explorador Humboldt partiu para a sua expedição à América do Sul, onde o seu significativo papel é lembrado e reconhecido como o atestam vários animais e plantas nativas de seu nome, muitas ruas, parques e praças, um pico na Venezuela, umas montanhas no México, um rio no Brasil e um géiser no Equador, entre outros.

Custeando do seu próprio bolso, viajou pelo continente americano mediante autorização do rei Carlos IV de Espanha, com o intuito de explorar a fauna e a flora da América do Sul e das Filipinas e trazer, posteriormente, exemplares das mesmas. Porventura devido à sua formação interdisciplinar (em administração pública e economia política, ciência, matemática e línguas, finança e economia, geologia), Humboldt tinha interesse num grande conjunto de elementos: plantas, animais, rochas e água, e enviava o material e a informação recolhidos para a França e a Alemanha (Prússia)

Foi ainda no decorrer desta expedição que Humboldt, fonte de inspiração para Charles Darwin, começou a elaborar a Naturgemälde [pintura da natureza], um desenho com uma montanha no centro, dispondo de várias colunas com informação dispostas da esquerda para a direita, nas quais podemos ficar a saber a altitude, a temperatura, a humidade ou a pressão atmosférica, bem como os diferentes tipos de animais e plantas que podem ser encontrados em cada altitude.

Pela primeira vez, a natureza foi demonstrada como uma força global com as correspondentes zonas climáticas a atravessar continentes. Humboldt observou, de igual modo, a flora através das variações climáticas por localização, entendendo o mundo como algo uno e onde tudo é interação.

Ainda com o intuito de completar a sua Naturegemälde, Humboldt procurou levar a cabo uma viagem à Índia e mais concretamente aos Himalaias embora sem sucesso, já que nunca conseguiu obter autorização da companhia britânica da Índia Oriental. O seu objetivo era, como notado por Andrea Wulf, autora da obra A Invenção da Natureza - As Aventuras de Alexander von Humboldt, o Herói Esquecido da Ciência, publicada pela Circulo de Leitores em Portugal, examinar o maior número possível de continentes para comparar informações acerca dos padrões climáticos, tipos de vegetação e formações geológicas distribuídas por regiões.

Humboldt acreditava que a natureza se tratava de um organismo vivo, em relação ao qual o homem parece ter uma intervenção fundamental desde sempre, e que ao atravessar continentes e oceanos, o homem trouxe consigo plantas de uns locais para os outros e, por conseguinte, algumas plantas acabam por contar algo não só sobre a humanidade, como também pela natureza em si mesma. E isto acaba por estar relacionado com a política e a economia. Refira-se, aliás, que Humboldt, tido como pai da ecologia para Wulf, alertava já na época para o papel que o homem tem e teria nas mudanças climáticas.

Prussiano de nascimento, quando em espaço europeu, o geógrafo alemão preferia permanecer em Paris (e escrever em francês), uma cidade mergulhada na ciência, não existindo no espaço europeu nenhum outro lugar onde pensar de forma liberal e livre fosse permitido. A verdade, porém, é que nem Napoleão (encarando-o possivelmente como uma “ameaça” para o sucesso da sua obra acerca do Egito, Description de l’Egypt, e também como espião da inimiga Prússia) nem o rei Friedrich Wilhelm III apreciavam esta permanência de Humboldt, sendo que este último ordenou seu regresso à então anti-liberal Berlim, onde o explorador passaria a desempenhar o papel de entertainer cultural do rei e a proporcionar-lhe, sempre que necessário, conhecimentos geográficos.

Na época e ao mesmo tempo, Humboldt iniciou um conjunto de sessenta e uma conferências na universidade, realizando várias numa mesma semana com sucesso e com um público diversificado (incluindo membros da família real, estudantes, criados e até mulheres, que habitualmente não dispunham de autorização para estudar em universidades ou para frequentar encontros científicos), democratizando e popularizando a ciência; Humboldt foi, neste sentido, um pioneiro da comunicação cientifica. Note-se também que este fomentava as conversas entre cientistas, provenientes das mais diversas áreas de conhecimento e de toda a Europa, sendo um defensor da interdisciplinaridade.

Aliás, foi igualmente nesta linha que redigiu a obra Kosmos [Cosmos], composta por cinco volumes, contando com o apoio de especialistas em várias áreas de conhecimento. A visão geral cabia a Humboldt, ao passo que as visões especificas lhe eram fornecidas pelos dados e pelas informações dos especialistas que com ele colaboravam. Tendo o primeiro volume sido publicado em 1845, Kosmos tornou-se um bestseller com mais de 20.000 cópias na edição alemã; nos anos seguintes foram publicadas traduções nas línguas inglesa, holandesa, italiana, francesa, dinamarquesa, polaca, sueca, espanhola, russa e húngara.

Muito provavelmente como resultado das suas expedições (a última realizou-se, em 1829, à Sibéria) pelo mundo, Humboldt era um espírito livre (crítico da escravatura também) e cosmopolita, defendendo a existência de uma relação direta entre a natureza e a cultura, objeto de estudo da Geografia Humana.

Falecido há um século e sessenta anos, as ideias de Humboldt permanecem atuais, fazendo dele aquilo que se pode denominar de um visionário, sobretudo quando as alterações climáticas têm hoje o impacto que têm, com o passado mês de Junho a ser o mais quente na Europa desde que há registo, de acordo com o programa Copernicus, apenas para dar um exemplo. Daí que no início do presente ano, na sua visita ao Equador, Frank-Walter Steinmeier, Presidente da Alemanha, o tenha assumido como um modelo inspirador por ter dado a conhecer o mundo à Alemanha e ter ensinado que não se pode ser indiferente a este mundo, pelo qual somos responsáveis.

A atestar a importância de Humboldt para a Alemanha e para a ciência encontra-se também a existência de uma fundação e de um veleiro com o seu nome. No que respeita à fundação, a mesma foi criada em 1860, em Berlim, logo após a morte de Alexander von Humboldt com o nome Alexander von Humboldt-Stiftung für Naturforschung und Reisen [Fundação Alexander von Humboldt para a Investigação da Natureza e as Viagens], estando dedicada ao financiamento de investigadores alemães que se encontram no estrangeiro. Após um período de encerramento, a fundação reabriu em 1925, passando a apoiar cientistas estrangeiros e doutorandos durante os seus estudos na Alemanha, mas voltaria a encerrar com o fim da Segunda Guerra Mundial. A fundação, com a denominação actual de Alexander von Humboldt-Stiftung, reabriu em 1953 e encontra-se desde então sediada em Bona. Relativamente ao veleiro, o mesmo tem o nome de Alexander von Humboldt II e corresponde a um veleiro de instrução destinado aos jovens e a todos aqueles que tenham interesse em viver uma experiência a bordo, pertencendo à Deutsche Stiftung Sail Training (DDST), em Bremerhaven, e construído em 2011.

Humboldt foi, de igual modo, relembrado no romance publicado em Portugal como A Medida do Mundo pela Editorial Presença, da autoria de Daniel Kehlmann, o autor alemão escolhido para a edição deste ano da Noite da Literatura Europeia em Lisboa.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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