Os jornalistas podem ser condenados por violar o segredo de justiça?

Rui Rio insistiu esta quarta-feira num debate na inclusão de “todos os portugueses” no crime de violação do segredo de Justiça, deixando implícito que os jornalistas não respondem por este ilícito. Mas tal não corresponde à realidade.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O líder do PSD Rui Rio insistiu esta quarta-feira, durante um debate organizado pela TSF, Antena 1 e Rádio Renascença, na inclusão de “todos os portugueses” no crime de violação do segredo de Justiça. “Se eu pegar em algo que não posso mostrar e mostro a uma ou duas pessoas, é crime. E se eu mostrar a 10 milhões de pessoas, arruinando com a investigação, já não é crime”, afirmou Rio, admitindo estar a referir-se à penalização dos jornalistas.

À primeira vista fica a ideia de que os jornalistas não podem ser condenados pelo crime de violação de segredo de justiça, o que de facto não corresponde à realidade. Isso mesmo mostra uma auditoria realizada em 2014 por um procurador e inspector do Ministério Público sobre o segredo de justiça que revela que, dos 83 processos-crimes por violação do segredo de justiça detectados entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2012, foram deduzidas acusação apenas em nove. Seis visaram jornalistas, dois agentes da justiça e o último um outro profissional do sector.

O que o Código Penal diz é que “o segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes”. O procurador João Rato, responsável pela auditoria, constata que nos casos analisados “os jornalistas acusados não revelaram as respectivas fontes e que a investigação não as logrou identificar, sem que isso impedisse que lhes fosse imputado o crime, contrariando uma ideia que ainda faz o seu curso, à revelia do actual regime jurídico, de que não se pode responsabilizar o jornalista sem conhecer a fonte”.

José Albuquerque, procurador e docente no Centro de Estudos Judiciários, lembra que actualmente a regra das investigações é a publicidade. “O segredo de justiça é a excepção e para ser decretado tem de ser devidamente fundamentado”, resume. Lembra ainda que muitos dos arquivamentos e das absolvições pelo crime de violação do segredo de justiça se fundamentam na jurisprudência dominante do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que, nos casos de manifesto interesse público, entende que a liberdade de expressão e de imprensa deve prevalecer sobre o segredo.

A auditoria conclui que durante os dois anos analisados não se registou qualquer condenação pelo crime de violação do segredo de justiça. E que em 67% dos casos os inquéritos terminaram arquivados. “Na maioria desses casos, o fundamento invocado para justificar o arquivamento não foi de natureza jurídica substantiva, mas antes de natureza processual, nomeadamente por se ter entendido que, em face do direito ao silêncio dos arguidos a constituir e de protecção das fontes reconhecido aos jornalistas, a inquirição destes como testemunhas ou o seu interrogatório como arguidos estaria votada ao insucesso, concluindo-se pela inviabilidade de qualquer investigação útil e consequente arquivamento”, constata João Rato.

O procurador critica “uma certa demissão do Ministério Público numa verdadeira e cabal investigação” com a sistemática não audição e menos ainda constituição como arguidos dos jornalistas e dos agentes da justiça envolvidos, nomeadamente magistrados, o que, sublinha, implicaria remeter para os “tribunais superiores a instrução desses inquéritos”. João Rato sugeria uma alteração da lei que permitisse usar escutas telefónicas nestas investigações e fazer buscas domiciliárias e nas redacções dos media, propostas que geraram um coro de críticas.

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