Israel vislumbra era pós-Netanyahu

Resultados não afastam a possibilidade de Benjamin Netanyahu continuar a ser primeiro-ministro. Mas mostram um caminho difícil, e deixam-no enfraquecido.

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Avigdor Lieberman: o ultranacioanalista insiste num governo com o seu partido, o Likud e o Azul e Branco ABIR SULTAN/EPA

Os dois principais partidos em Israel continuavam com apenas um deputado de diferença com 90% dos votos contados. Se era ainda arriscado prever um vencedor das eleições de terça-feira - quem será o chefe do Governo - parecia claro quem não ganhou: Benjamin Netanyahu. Mesmo que haja uma surpresa e Bibi consiga fazer a sua magia e o seu Likud (direita) permaneça o partido mais votado, e mesmo que se consiga manter primeiro-ministro, o que está longe de ser certo, o primeiro-ministro usou todos os trunfos possíveis e imaginários, quebrando até a lei eleitoral, e não conseguiu uma vitória convincente.

Segundo os resultados parciais, o Likud tem 31 deputados e o partido Azul e Branco (centro-esquerda), liderado pelo antigo chefe do Exército Benny Gantz, 32. Na repetição das legislativas de Abril, os dois tiveram um empate semelhante, mas Netanyahu não conseguiu uma maioria, e forçou novas eleições.

O certo é que os eleitores não deram um novo mandato a Netanyahu – a votação no Likud diminuiu, e o bloco que liderava encolheu. Se Netanyahu conseguir fazer uma coligação, deverá à custa de muitas concessões. “Em suma, os resultados mostram que há suficientes israelitas indiferentes à perspectiva da vida política sem Netanyahu”, escreveu David Horowitz no jornal Times of Israel

A Lista [Árabe] Unida foi o terceiro partido mais votado. Uma das armas de Netanyahu na campanha foi a agitação do medo dos cidadãos árabes de Israel: que estavam a votar em massa, o que iria prejudicar a direita. Esta agitação parece ter funcionado ao contrário e o partido árabe teve 13 deputados segundo os resultados parciais (faltam os votos À distância, de diplomatas, soldados e doentes hospitalizados, que por vezes alteram os resultados em um ou dois deputados).

Segue-se o partido de Avigdor Lieberman, Yisrael Beitenu (Israel Nossa Casa, direita radical nacionalista), que apesar de ter apenas 9 deputados poderá ser essencial para desbloquear o nó e assegurar um Governo. Em teoria, Lieberman pode juntar-se a Netanyahu ou a Gantz, mas repetiu o que disse na campanha: que vai pressionar para um governo de unidade nacional com o Likud, o Azul e Branco, e o seu próprio partido.

Lieberman apresentou-se como o representante do secularismo contra um Estado com muitas restrições religiosas e onde os religiosos têm benesses, incluindo não terem de fazer o serviço militar obrigatório – algo essencial para um país como Israel que tem acordos de paz apenas com dois vizinhos. Após a votação de Abril, Lieberman recusou-se a integrar de novo uma coligação com o Likud e os partidos ultra-ortodoxos porque estes querem manter a excepção. 

Nestas eleições, Lieberman adoptou o slogan “Make Israel normal again” (assim mesmo, em inglês). A seguir à divulgação dos resultados preliminares, especificou as suas exigências para participar numa coligação: fim da excepção do serviço militar para os ultra-ortodoxos, estudo geral obrigatório para os ultra-ortodoxos (e não apenas estudo religioso), possibilidade de casamento civil (actualmente apenas existe religiosos, pessoas de duas religiões diferentes têm de casar no estrangeiro) e transportes públicos e supermercados abertos no shabbat (quando o país praticamente pára).

Dos dois outros partidos, ninguém abriu ou fechou a porta a uma cooperação, embora Gantz tenha dito que se recusa a fazer parte de um Governo com alguém acusado de corrupção, como pode vir a ser Netanyahu, que vai ser ouvido a 2 de Outubro pelo procurador-geral numa audiência que é obrigatória antes de uma acusação.

Gantz fez um discurso sóbrio embora declarasse que “Netanyahu falhou”. Disse que se preparava para falar com todos. “A época das divisões terminou.” O que não disse foi que falou com o líder da Lista Conjunta, Ayman Odeh.

E Odeh foi o pretexto para que Netanyahu levantasse o espectro do “perigo dos árabes” e dissesse que a sua prioridade era evitar “um governo anti-sionista” perante o perigo de incluir “traidores”.

Isto porque Odeh admitiu indicar ao Presidente uma recomendação de candidato que inicie negociações para uma coligação, e no sistema israelita é mais importante quem tem mais recomendações, e mais hipóteses de maioria, do que quem foi o mais votado. Seria a primeira vez que um partido árabe faria esta recomendação.

Os jornalistas na noite eleitoral no Likud davam conta da dificuldade de Netanyahu em apresentar-se optimista. Os membros do partido que o cumprimentaram pareciam dar-lhe os pêsames. E estritamente off the record, começavam a surgir opiniões de que talvez seja altura de ter outro líder.

Vários analistas notam que o potencial processo contra Netanyahu é a principal razão pela qual o político não vai desistir de ocupar o cargo custe o que custar. 

Sublinhando a gravidade da sua situação, Netanyahu anunciou que não irá à Assembleia-Geral das Nações Unidas em Nova Iorque – o discurso de 26 de Setembro de Israel ficará a cargo do ministro dos Negócios Estrangeiros, Yisrael Katz. O jornalista da Economist Gregg Carlstrom comentava: “Sabe-se que Netanyahu está nervoso se está a falhar o que é, para ele, o Super Bowl do calendário político” – o ponto alto do ano no palco mundial.

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