Fadista Matilde Cid apresenta em Lisboa o seu disco de estreia, Puro

Cresceu no Alentejo entre o jazz e o fado e foi este último que a conquistou. Matilde Cid apresenta ao vivo esta quarta-feira, em Lisboa, o seu disco de estreia, Puro.

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Matilde Cid fotografada para Puro LUÍS CARVALHAL

Dez anos depois de se iniciar profissionalmente no fado, e após a estreia em 2016 no ciclo Há Fado no Cais, no CCB, Matilde Cid lança agora o seu primeiro álbum, Puro. Que vai ser apresentado ao vivo esta quarta-feira no Convento das Bernardas, em Lisboa, às 19h.

Alentejana de Estremoz, embora tenha ido nascer a Lisboa, no Hospital Particular, no dia 10 de Setembro de 1983, Matilde Cid pertence a uma família desde sempre ligada à música, o pai mais próximo do jazz, dos blues e da bossa nova e a mãe mais ouvinte de fado. “A música está muito presente, mas a característica menos boa nestas famílias onde há muita música é que ninguém sobressai. Porque é uma coisa banal, todos cantamos. O meu pai esteve no Colégio Militar, tinha uma banda, tocava piano e ainda toca, mas tudo de ouvido; o meu tio João Balula Cid [1957-2017] foi pianista profissional [e também maestro e compositor]; o meu irmão mais velho também toca piano, tudo de ouvido.”

Reuniam-se, assim, todos em volta do piano. A mãe menos, porque preferia ouvir os seus discos de fado. “Onde eu vivi, havia sempre um piano, na sala. E os jantares acabavam com tudo a cantar e a tocar piano. O meu pai era muito fã da Elis Regina e no jazz tinha um leque grande de artistas, sobretudo pianistas, como Oscar Peterson. E eu ia ‘roubando’ discos dele, para ouvir.” CD, apesar de haver “milhares de vinis” lá em casa. O que sucedia em Estremoz, repetiu-se depois em Macau, para onde o pai foi em missão militar. Seis anos. “Arranjou por lá um piano. Quando fomos, eu tinha 9 anos e saí de lá com 15.”

“Aquilo mexeu comigo”

E voltou directamente para Estremoz. Mas trazendo de Macau o “vício” do karaoke. “Lá eram as Mariah Carey, as Whitney Houston. Aqui, como os meus irmãos tinham um coro já muito profissional, eu adoraria fazer parte daquilo, mas ninguém me ligava nenhuma porque eu era uma catraia, a mais nova de quatro. Até que um dia me convidaram, porque faltou alguém no coro. Fiquei entusiasmadíssima e lá fui.” Tinha 15 anos e saiu-se bem.

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Capa do disco de estreia

O fado veio depois. E através de Maria Teresa de Noronha, uma das muitas vozes que a mãe ouvia (a par da Amália, Lucília do Carmo ou Hermínia Silva): “Houve um dia que a ouvi e aquilo mexeu comigo de uma maneira que nunca mais vou esquecer. Na altura, pensei que gostava de vir a cantar com aquela emoção, de arrepiar as pessoas assim.”

Mas ainda levou uns anos até decidir que o fado seria mesmo a sua vida. Uma noite, em Lisboa, ao cantar depois de um jantar na Casa da Mariquinhas, em Alcântara, a fadista Maria João Quadros ouviu-a e desafiou-a a continuar. Mas disse-lhe que não podia cantar só Maria Teresa de Noronha, que “tinha de ouvir mais coisas.” Foi o que fez. E isso valeu-lhe ficar como fadista residente, de 2009 até 2015, até à casa fechar para reabrir com nova gerência (com o também fadista António Pinto Basto). Matilde, entretanto, começou a cantar em “variadíssimas casas”, como o Sr. Vinho ou a Mesa de Frades, acabando por integrar um elenco de novos fadistas no Fado ao Carmo, onde se mantém desde 2018.

Um encontro espiritual

Mas foi o convite de Helder Moutinho para fazer um concerto no Há Fado no Cais, em 2016, que lhe deu alento para gravar um disco, este que agora chega às lojas. Ela nunca tinha feito um concerto em nome individual, sentiu que “era uma grande responsabilidade” e preparou “tudo ao milímetro”: “Convidei o meu irmão para tocar piano. Nessa altura ainda estava a sair do ninho. Em termos técnicos, tenho a noção de que não foi uma coisa perfeita, embora tenha sido muito emocionante para mim. Mas foi o primeiro.”

Gravado nos estúdios Tejo Music Lab (com guitarras de Luís Guerreiro, Bruno Chaveiro e Pedro Viana; violas de Diogo Clemente, Rogério Ferreira e Pedro Viana; viola baixo de Francisco Gaspar; e acordeão de Pedro Santos) e com chancela do Museu do Fado, Puro tem produção musical e arranjos de Diogo Clemente. “Ele pediu-me para reunir tudo coisas de que eu gostava, fado e não-fado, para fazer um esboço que nós queríamos fazer.”

Na escolha final, ficaram onze temas: a par de um clássico fadista, hoje já pouco ouvido, O amor é louco, e de um fado de Maria Teresa de Noronha, Nosso fado, há vários originais, três com letra dela. O disco fecha com um díptico espiritual: Não digas sorte diz Deus, que Matilde ouviu cantar a Vicente da Câmara, e É cantando, balada com letra e música de Maria Durão: “A música fez com que eu me encontrasse espiritualmente, foi uma ferramenta muito importante na minha vida. E essa música foi provavelmente a que mais me emocionou quando a ouvi pela primeira vez. E fez sentido no meu caminho.”

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