RB Leipzig, um “bebé com asas” e profundamente detestado

Com apenas dez anos de história, o projecto da Red Bull tem sido vencedor, sustentável e com uma filosofia vincada. E o líder da Bundesliga irá ao Estádio da Luz para mostrar que a Red Bull lhe deu asas para chegar à elite europeia.

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A Red Bull Arena é a casa de um clube de raízes polémicas Reuters/FABRIZIO BENSCH

O adversário que o Benfica recebe nesta terça-feira (20h, TVI), na estreia na Liga dos Campeões 2019/20, é odiado de forma feroz por boa parte de uma Alemanha apegada às regras, mas intensamente amado pela cidade de Leipzig, há muito sedenta de um grande clube na Alemanha Oriental.

Para perceber o que rodeia este jovem clube da antiga Alemanha comunista é preciso recuar uns anos. Em 2009, a empresa Red Bull, que factura muitos milhões anuais na venda de bebidas energéticas, decidiu comprar um clube modesto, o Markranstädt. Assumiu a licença deste clube e quis “dar-lhe asas”, até com cunho pessoal no nome. Qual era o problema? As regras.

A Federação Alemã de Futebol não permite que uma empresa dê nome a um clube – excepto quando esteja há mais de 20 anos no negócio, como a Bayer no Leverkusen ou a Volkswagen no Wolfsburgo –, e a Red Bull foi, portanto, criativa: o novo clube passou a chamar-se Rasenballsport que, em alemão, significa algo como “desporto com bola na relva”. “Curiosamente”, esta escolha encaixou, na perfeição, nas iniciais da Red Bull, que conseguiu o que queria: este clube “bebé”, chamado Rasenballsport Leipzig, ficou conhecido como “RB Leipzig”.

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Criatividade, dizem uns, contorno às regras, dizem outros, e este clube-empresa começou, desde a nascença, a provocar ódio. Ódio de quem, no futebol germânico, não abre mão do tradicionalismo. “Este clube foi fundado com o objectivo de aumentar apenas as receitas da Red Bull, nada mais”, chegou a dizer um dirigente do Borussia Dortmund.

Outra regra alemã estipula que nenhum investidor possa deter mais de 50% do clube, dando aos sócios peso real na gestão. Outro problema para a Red Bull? Talvez não. Nada que o aumento do preço para ser sócio não resolva, dando apenas a investidores mais “recheados” – e próximos da Red Bull – boa parte do poder dos associados.

Após uma ascensão meteórica da quinta divisão até à Bundesliga, o capital de ódio por este clube aumentou. Afinal, juntou-se uma fundação polémica a um bom rendimento desportivo. E começaram os protestos: cabeças de touro (touro é o símbolo da Red Bull) atiradas para os relvados, confrontos entre adeptos rivais, apedrejamentos, recusas de ter o emblema do RB Leipzig nos cachecóis dos jogos e nos ecrãs gigantes, “negas” para partidas de pré-época e até adeptos a recusarem acompanhar o seu clube só para não terem de entrar no recinto do odiado RB Leipzig.

Protestos que, na prática, de pouco valeram: o RB Leipzig tornou-se o maior clube da Alemanha Oriental, cuja reunificação com o restante território, em 1990, não deu, em matéria futebolística, um bom retorno – nenhuma equipa da antiga Alemanha comunista conseguiu ser campeã na Bundesliga, fundada em 1963.

O RB Leipzig tornou-se, portanto, um oásis numa região que abraçou, com paixão, o novo clube – as médias de público nas bancadas atestam-no.

Diferente dos tradicionais “novos ricos”

Apesar de todo este capital negativo em torno da opinião pública germânica, o RB Leipzig tem tido, a seu favor, a estratégia de crescimento.

Ao contrário de outros clubes comprados por entidades ou personalidades ricas, este emblema alemão não é o típico comprador, “sugador” de mercado e “novo rico” que tanto ódio desperta por clubes como PSG, Manchester City, Chelsea ou Zenit.

A estratégia do clube tem passado pela aposta em jovens jogadores – raramente compram atletas com mais de 24 anos – e utiliza os restantes clubes da “rede Red Bull” para desenvolver os jovens talentos em níveis competitivos e países diferentes, sobretudo no RB Salzburgo, da Áustria, no RB Brasil, em São Paulo, ou no NY Red Bulls, nos Estados Unidos. Um franchise mundial ao serviço de um clube de futebol. O Salzburgo, por exemplo, chegou a vencer a Youth League, em 2016/17, à custa do Benfica de João Félix, Rúben Dias, Florentino, Jota ou Gedson.

O plantel actual, de 28 jogadores, tem apenas oito acima dos 25 anos e conta como grande figura, com Timo Werner, que resistiu ao recente assédio do Bayern Munique e renovou contrato com o Leipzig.

A equipa soma, em três anos de Bundesliga, um segundo, um sexto e um terceiro lugares e, nesta temporada, já é líder do campeonato. Viaja até Lisboa com Werner como principal figura, mas o jovem treinador Julian Nagelsmann, de 32 anos, contratado ao Hoffenheim, não pode queixar-se de falta de talento: o “gigante” Yussuf Poulsen dará trabalho aos centrais portugueses, enquanto o sueco Forsberg e o austríaco Sabitzer serão perigo constante numa equipa presumivelmente com três centrais.

Passados dez anos, apesar das polémicas sobre a fundação, algo parece ser consensual: o projecto da Red Bull tem sido vitorioso, sustentável e com uma filosofia vincada. E o líder da Bundesliga irá ao Estádio da Luz para mostrar que a Red Bull lhe deu asas para chegar à elite europeia.

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